Nosso colunista, Frater Optimus, é um mago de outros tempos. Ele foi desenvolvendo um mau humor peculiar com o passar das décadas. Optimus sempre deixa aqui sua opinião – que, definitivamente, não é a lei – sobre as coisas que o incomodam no meio do ocultismo.
Neste período festivo, o tema de sua coluna não poderia ser diferente: as simpatias de ano novo!
Entra ano, sai ano, mas nada muda. Todo final de dezembro é a mesma coisa. Pessoas dando dicas infalíveis para as outras, reportagens na televisão e nas revistas sobre simpatias para o ano novo. Será que essa gente não percebe que essas bobagens não funcionam? Ou, pelo menos, não funcionam como elas pensam?
Você pode pensar que não, que essas coisas estão caindo em desuso, mas as simpatias estão mais presentes do que você imagina na tradição brasileira de virada de ano. Todo mundo vestido de branco? É simpatia. Cueca vermelha, amarela, ou da cor do raio que o parta? É simpatia. Brindar para dar boa sorte? Simpatia. Comer não sei quantas uvas à meia-noite? Simpatia. Pular sei lá quantas ondas? É simpatia, também. Romã? Não é possível que alguém goste de verdade dessa fruta azeda que só tem caroço, pode ter certeza que é simpatia. Botar no mar barquinho com oferenda para Iemanjá? Isso já não é simpatia. Mas olha lá essa pão-durice com as oferendas, que Iemanjá provavelmente merece mais do que essa mixaria aí!
Então o que é que eu estou chamando de simpatia, afinal? Eu defino simpatia como aquele tipo de baixa magia que parece absolutamente inofensiva – até mesmo para os católicos apostólicos romanos! – e que tem o objetivo de alterar a realidade objetiva mesmo sem envolver uma ritualística elaborada ou capacidades especiais da parte do operador, normalmente usando associações e simbolismos profundamente incrustados em nossa psique. Veja os exemplos que eu dei. Cores de roupas, comidas específicas, pequenos sacrifícios. Tudo isso se encaixa nessa descrição. Oferenda para Iemanjá já é diferente.
E porque eu estou dizendo que essas bobagens não funcionam? Simples: porque não são feitas da maneira certa. Explico.
Branco é símbolo de paz, como é do conhecimento da massa. Mas não adianta você estar de roupa branca para atrair paz para você. O bandido que vai te assaltar enquanto você estiver bêbado na praia não está nem aí para sua roupa branca. E o assalto provavelmente não será pacífico. Porque, se você causou algum efeito sobre a realidade, foi sobre a realidade da sua consciência, e não sobre o ambiente ao seu redor.
Essas comidas todas – uva, lentilha, romã – deveriam trazer boa fortuna porque são, hipoteticamente, associadas à prosperidade. Essa associação com a prosperidade poderia, hipoteticamente, ativar um modo de pensar, um mindset, como está na moda dizer, de prosperidade. E isso poderia de fato ser útil, considerando que a festa de ano novo é um rito que simboliza o início de um novo ciclo. Todas essas vantagens hipotéticas podem ter sido verdades em um passado remoto, mas francamente… Hoje em dia, símbolo de prosperidade é comer lagosta, não é mesmo? Outro dia fui na feira e a lentilha estava mais barata do que o feijão. Como é que isso vai ser símbolo de prosperidade? Você quer mesmo virar o ano comendo comida barata para atrair prosperidade? Boa sorte…
E mesmo que esses símbolos pudessem realmente servir como agentes de mudança (se não da realidade consensual, ao menos da psicologia de quem faz a simpatia) temos mais um problema. Magia sem estados alterados de consciência é só teatro. Mesmo que nas festas de ano novo seja tradicional beber o suficiente para alterar bastante o estado de consciência, não é disso que estou falando. Para a magia (e, portanto, a simpatia) funcionar, é preciso ter um momento de consciência plenamente focada no objetivo, ainda que simbolizado. E isso, meus caros, vocês podem ter certeza que não vai ocorrer no meio do furdunço do Réveillon de Copacabana, mesmo que você pule as sete ondinhas.
Você pode achar que eu estou falando um monte de bobagens, porque ano passado você fez uma simpatia para conseguir alguma coisa e a tal coisa aconteceu. Para você, minha resposta é simples. Já ouviu falar em viés de confirmação? Se nunca ouviu, está aí uma ótima oportunidade de fazer algo de útil na Internet: pesquise.
Eu estou aqui reclamando, mas verdade seja dita: as simpatias servem para algumas coisas. Servem para deixar seus pés molhados, sua barriga cheia, e suas esperanças em alta. Mas nada além disso. Simpatias insossas repetidas mecanicamente não vão resolver seus problemas de dinheiro, amor, paz, saúde, harmonia, ou seja lá qual for o seu desejo inútil. Se você quer realmente que algo aconteça magicamente no próximo ano, meu conselho é que você se esforce neste sentido, estude para valer, e faça magia de verdade.
Ou isso, ou capriche nessa oferenda.