O Necronomicon, o sinistro livro proibido apresentado nos contos de H. P. Lovecraft, virou cult e hoje está presente em várias manifestações da cultura pop. Há quem diga que o livro existiu de verdade, e que algumas cópias sobrevivem até hoje. Outros dizem que tanto existe que está em suas prateleiras. Outros dizem que nunca existiu, e que tudo isso é uma grande bobagem.
Mas é claro que não é tão simples assim. O livro pode ter sido originalmente inventado e usado para enriquecer contos de terror – isso é verdade. Mas não quer dizer que ele não seja real, mesmo que o próprio H. P. Lovecraft não soubesse disso. Para decifrar este mistério, vamos dar uma olhada na história dos Necronomicons mais famosos.
O Necronomicon de acordo com Lovecraft
De acordo com a narrativa de H. P. Lovecraft, Abdul Alhazred foi um poeta do século VIII, nascido no Iêmen. Ele ficou conhecido como o árabe louco, e foi o autor original do Necronomicon. Abdul Alhazred descobriu em Irem, a Cidade dos Pilares, os segredos de um culto muito anterior à raça humana.
Esses estranhos e proibidos conhecimentos que Abdul Alhazred recebeu foram condensados por ele em um texto que foi chamado de Al Azif – a versão original do mítico Necronomicon.
Dois séculos depois, no ano de 950, o Al Azif foi traduzido para o grego, e foi essa tradução que recebeu o título de Necronomicon – o Livro dos Nomes dos Mortos. O texto ganhou uma versão latina, a partir da tradução grega, no século XIII. Nesse século ele também veio a ser proibido pela Igreja Católica, voltando a ser impresso em maior escala somente nos séculos XV e XVII. Uma tradução para o inglês teria sido feita pelo célebre mago John Dee, mas esta nunca foi impressa, e só alguns poucos fragmentos sobreviveram até hoje.
As poucas cópias do Al Azif que restavam desapareceram ainda na época da tradução latina. A última cópia grega conhecida queimou em um incêndio em Salem, em 1692. (Uma única cópia da versão grega pode ter sobrevivido, mas isso não é confirmado). A versão latina é, portanto, a única que sobreviveu até os dias de hoje. As cópias conhecidas, embora outras possam estar em posse de colecionadores particulares, estão localizadas em grandes bibliotecas de Londres, Paris, Harvard e – pasmem – Buenos Aires.
O Necronomicon de Simon
O primeiro Necronomicon a ser amplamente disponibilizado ao público em geral, em 1977, foi a versão que veio a ser conhecida como o Necronomicon de Simon.
A identidade do tal Simon é controversa – afinal de contas, não há nem um sobrenome ou outra forma de identificação. Há quem diga que se trate do ocultista Peter Levenda. Mas essa não é uma certeza. De qualquer forma, o autor/compilador, Simon, começa o livro com uma história de como este antiquíssimo manuscrito foi parar em seu poder.
Simon diz ter recebido, das mãos de um monge misterioso, a tradução grega de um texto escrito pelo “Árabe Louco” – nenhuma referência direta aqui ao nome Abdul Alhazred. É claro que a autenticidade de algo que tenha surgido de forma tão estranha e inesperada é contestável. Então, Simon clama ter feito experiências práticas com os rituais contidos no manuscrito. O sucesso de suas operações, segundo ele, substancia a veracidade do texto.
Segundo sua própria análise, o texto tem muito a ver com a doutrina difundida por Aleister Crowley. A relação entre os escritos de Crowley e o mito Lovecraftiano é detalhada por Kenneth Grant, em O Renascer da Magia, lançado apenas cinco anos antes do livro de Simon. Simon estava familiarizado com essa ideia, e fala dela abertamente em sua introdução ao livro, ajudando a fundamentar a veracidade e o poder mágico do texto.
O texto, em si, tem pouco a ver com os mitos Lovecraftianos, e bebe essencialmente de fontes sumério-babilônias. O livro vem na forma de um grimório, com rituais descritos em detalhes, que podem ser reproduzidos pelo praticante moderno. A eficácia dos mesmos só pode ser comprovada ou refutada por quem, de fato, experimentá-los.
O Necronomicon de Tyson
O canadense Donald Tyson é um ocultista e escritor que se tornou famoso por sua série de livros de ocultismo com temática Lovecraftiana. Talvez o mais famoso entre estes seja o próprio Necronomicon, que normalmente é citado como o Necronomicon de Tyson.
Uma pessoa que tenha apenas lido os contos de Lovecraft, sem saber que a história de Abdul Alhazred é (supostamente) fictícia, poderia facilmente se convencer de que o Necronomicon de Tyson é o verdadeiro.
Tyson bebe direto da fonte da vasta obra literária de Lovecraft, e presta atenção a cada pequeno pedaço de informação que possa ter alguma relação com esse grimório proibido. Sua reconstrução pode ser assumidamente fictícia, mas o livro de Tyson, ao contrário das outras versões que existem por aí, se encaixa perfeitamente dentro do mito Lovecraftiano. O livro respeita pequenos detalhes, e até mesmo inclui passagens que são citadas nos contos.
Apesar de não ser tão antigo quanto o de Simon (2004), o Necronomicon de Tyson certamente ajudou a consolidar o mito de que o Livro dos Nomes dos Mortos existe de verdade. Um excelente exemplo de metalinguagem aplicada ao mindfuck.
Outros Necronomicons
Estes não são os únicos Necronomicons disponíveis por aí, mas provavelmente são os mais importantes. Vão aqui algumas menções honrosas.
Kenneth Grant
Em O Renascer da Magia, Kenneth Grant sugere que o conhecimento contido no Necronomicon foi, de fato, acessado por H. P. Lovecraft em seus sonhos, que não eram meros sonhos vazios de sentido. O mesmo conhecimento teria sido acessado por Aleister Crowley, usando de outro expediente: operações mágicas. O conhecimento recebido pelos dois, no entanto, é muito similar. Grant propõe que, embora o livro de verdade não exista em forma física, seu conteúdo está disponível em uma outra esfera de consciência, que pode ser acessada de formas menos ortodoxas.
Peter J. Carroll
Em seu primeiro livro, Liber Null e Psiconauta, Peter J. Carroll explica um método de criação de sigilos, e para isso usa um exemplo: Eu desejo obter o Necronomicon. O próprio Carroll diz que os objetivos dos feitiços exemplificados são arbitrários e não documentados. Mesmo assim, depois de muitos milhares de unidades vendidas e algumas décadas de exposição, parece que o sigilo de Carroll foi carregado.
Seu último trabalho publicado, Epoch, contém um dito Necronomicon. Não um texto milenar e perdido nas areias do tempo, mas um conjunto de práticas e rituais que podem abrir o operador para trabalhar com entidades do mito Lovecraftiano. Para este fim, Carroll parte da premissa de que Cthulhu não precisam ter existência objetiva e palpável, mas que o trabalho mágico com eles é, sim, muito real – uma ideia que, como já vimos, foi defendida de forma pioneira em O Renascer da Magia.
Então todos os Necronomicons são uma farsa?
Não existe resposta simples para essa pergunta. O mais adequado seria dizer sim e não.
Sim, porque não há evidência histórica alguma de um árabe louco chamado Abdul Alhazred, nem de nenhum Al Azif. O próprio Lovecraft dizia que nunca existiu um Necronomicon. A versão que se diz verdadeira, a de Simon, é certamente uma farsa.
Mas ao mesmo tempo, não. Porque o fato de todos esses Necronomicons não serem reproduções históricas precisas de um texto milenar que nunca foi escrito não quer dizer que não sejam extremamente válidos, do ponto de vista mágico.
Se Grant tiver razão, o conhecimento do Necronomicon pode ter sido acessado por vários autores, de forma independente, ao longo das eras – e muitos podem ter recebido este conhecimento, mas permanecido no anonimato.
A versão de Simon, por exemplo, é fortemente baseada em rituais sumérios bastante reais. A de Tyson foi elaborada por um experiente ocultista, que sabe o que faz. A de Carroll funcionou para ele – e há praticantes atuais que dizem que o negócio é realmente forte.
Dessa forma, o que faz essas versões “inventadas” do Necronomicon serem menos válidas, por exemplo, do que A Clavícula de Salomão, o Grimório do Papa Honório ou o de Abramelin? Todo mundo sabe que o rei Salomão não escreveu livro nenhum, e que Abramelin é um personagem fictício. Isso torna menos válidos estes clássicos do ocultismo ocidental, no qual se baseia boa parte do conhecimento iniciático do ocidente? Pense novamente.
Se o Necronomicon atiçou a sua curiosidade, bem-vindo ao clube. Para saber mais sobre isso, há uma série de fontes que podem ser consultadas. O conto-ensaio curto do próprio Lovecraft, História do Necronomicon, é um bom ponto de partida. O Necronomicon de Simon e o de Tyson podem ser encontrados com relativa facilidade até hoje. O Renascer da Magia, de Kenneth Grant, é o primeiro livro a sugerir a possibilidade de que Lovecraft e Crowley tenham bebido da mesma fonte extra-humana, e que o Necronomicon pode ser acessado nos planos sutis. Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll, traz o feitiço original que pode ter culminado com o recebimento do Necronomicon anos mais tarde – este está contido no Epoch, um tanto mais difícil de encontrar por aí. E se você estiver interessado em um pouco de ficção não-óbvia sobre o tema, duas recomendações: Providence, de Alan Moore, e O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos. Os dois são excelentes exemplos de que o Necronomicon continua exercendo grande influência em nossa cultura até os dias de hoje (o que, diga-se de passagem, não seria possível se ele não fosse real).
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