Fazer a nossa edição brasileira do Principia Discordia foi uma tarefa complicada. Todo mundo sabe que traduzir um livro sagrado não é moleza, e é uma tarefa mergulhada em discórdia. No processo, consultamos vários discordianos praticantes e especialistas em diversos campos. Um deles foi Adam Gorightly, historiador da discórdia, guardião dos registros históricos discordianos, e o cara que escreve o Historia Discordia, o site/livro mais completo sobre a história do discordianismo.
Consultamos o Historia Discordia (tanto o livro quanto o site) para tirar diversas dúvidas. O Sr. Gorightly foi muito solícito conosco, e retribuímos sua contribuição enviando para ele um exemplar do nosso Principia. Para nossa surpresa, ele resolveu fazer um texto no Historia Discordia sobre o nosso livro – e a opinião dele não poderia ser mais favorável:
De todas as imitações do Principia Discordia que eu já vi ao longo dos anos, eu diria que essa versão está acima de todas as demais, e se você é um aficionado por Principia Discordia, esta versão é certamente uma joia para a sua coleção – mesmo que você não entenda uma palavra de português.
O Historia Discordia publicou também um depoimento de nosso editor, Vinicius Ferreira, contando causos que rondaram a produção e o lançamento do livro. Abaixo trazemos para vocês, na íntegra, o depoimento em português.
Tudo começou com um Principia Discordia roubado, versão Steve Jackson. Minha esposa roubou ele anos atrás de um ex-namorado, e deixou o livro pegando poeira no fundo de uma caixa esquecida. Eu já tinha ouvido falar sobre o PD, mas para mim era como se fosse o Necronomicon – um desses livros que você escuta falar muito a respeito, mas possivelmente nunca existiu, e tem algumas cópias rodando por aí, mas nenhuma delas é de verdade. Eu decidi dar uma lida mesmo assim. E decidi que, fosse verdadeiro ou não, era profundamente perturbador, o que é uma coisa boa. Então eu fui procurar uma edição em português, e descobri que só havia alguns PDFs rodando por aí na Internet. Eu dei uma olhada neles, e fiquei muito impressionado pelo esforço que a comunidade Discordiana (que até o momento eu não sabia que existia) fez para traduzi-lo. Mas, tendo lido a versão original, percebi que muitas piadas, jogos de palavras e trocadilhos em geral se perderam na tradução. A ideia de produzir uma “versão brasileira definitiva” ficou na minha cabeça por um tempo, mas eu tinha mais o que fazer. Na época eu não trabalhava com livros.
Algum tempo (anos?) mais tarde, eu estava trabalhando com livros sobre magia, ocultismo, e tudo mais. E precisava publicar alguma coisa sobre religiões alternativas, e considerei O Evangelho do Monstro de Espaguete Voador. Mas a ideia de fazer o PD voltou à minha cabeça. Seria muito trabalho, com todas as imagens, e falta de fontes em alta qualidade, e trocadilhos, e o fato de ser um texto sagrado, e tudo mais. Mas eu não desisti. Minha esposa estava estudando Photoshop e esses pacotes gráficos aí, e precisava fazer uma série de trabalhos fictícios. Então ela fez uma imagem de santo do King Kong, uma capa falsa de livro, um panfleto falso para um evento de lançamento, todo tipo de material para um PD brasileiro que não existia. Eu pesquisei um pouco o mercado e descobri que há alguns grupos discordianos muito ativos no Brasil, e várias pessoas têm uma curiosidade geral sobre o tema. O que faz bastante sentido, porque a vida cotidiana no Brasil é bastante surreal às vezes, e um certo grau de discordianismo parece estar no sangue de todo mundo por aqui, mesmo que as pessoas não saibam disso. Isso me deixou empolgado para fazer acontecer. E eu decidi seguir em frente com o PD.
Como todas as principais edições do PD adicionam algumas páginas novas (Loompanics, SJ, etc.), e há muitos discordianos ativos por aqui, decidimos adicionar algumas páginas de conteúdo original. Abrimos um espaço para colaborações do público. Recebemos uns materiais bem bosta, mas no fim das contas conseguimos umas 10 páginas novas muito boas. Também nos esforçamos para garantir que essas novas páginas não estivessem exatamente no mesmo espírito dos PDs antigos, mas que representassem o zeitgeist atual e a vida que levamos em nosso país.
As adaptações das artes foram complicadas, mas factíveis. Mas algumas traduções foram realmente complicadas. Olhamos um bocado para outras fontes de informação, como o Historia Discordia (e, é claro, a Deusa) em busca de iluminação. Essa iluminação veio quase sempre. Em alguns casos, onde as coisas estavam absolutamente intraduzíveis, como a vaca pensativa na p. 00028, nós optamos por só colocar uma piadinha parecida, que fizesse sentido para o leitor. As músicas e rimas foram complicadas também, mas acho que conseguimos passar por elas sem grandes baixas. O processo todo, porém, levou alguns meses a mais do que o originalmente previsto.
Quando o livro foi para a gráfica, tivemos dificuldades em fazer eles entenderem que os números das páginas estavam trocados (páginas ímpares na esquerda, pares na direita). Tivemos que assinar um documento dizendo que eles não estavam ferrando tudo. O evento de lançamento também foi engraçado. Escolhemos um bar legal para o evento, e o dono do lugar, sabendo do que se tratava o livro, não achava que muita gente iria aparecer. No fim das contas, o lugar lotou, e o dono teve que trabalhar na cozinha, e chamar o pai dele para ajudar (nenhum dos funcionários estava a fim de aparecer de sopetão no meio de um domingo). Isso foi um bom sinal. Houve cachorros quentes para todos.
Recebemos uns pedidos curiosos pela nossa loja. Um deles pedia para mandar no mesmo pedido um cachorro quente, um rabino repentista e cinco toneladas de linho. Outros pediram por um “Não, Obrigado”. Diversos pedidos tinham mensagens misteriosas sobre os Illuminatti e o Pelé.
Antes do livro ir parar nas livrarias, nós escondemos cuidadosamente alguns PDs em grandes livrarias e instruímos nossos seguidores nas redes sociais, dizendo que os livros eram presentes para os primeiros que os localizassem e tivessem a coragem de sair pela porta da frente de uma livraria com um livro novo, sem pagar por ele. Tecnicamente, isso não é roubar – nós, os editores, estamos dando os livros – mas certamente bagunçou os sentimentos das pessoas. Todos os livros escondidos foram encontrados em um ou dois dias.
Agora o PD está em todas as principais livrarias do Brasil, e tem uma outra coisa engraçada a respeito dele. Posição nas prateleiras. Algumas livrarias colocam ele na prateleira de Mitologia Grega, alguns na de Quadrinhos, outras em Biografias, outra em Jovens Adultos, outras em Autoajuda, outras em Ciências Políticas. E, francamente, eu não faço ideia de onde ele deveria estar. Talvez perto da Bíblia, do Alcorão, ou da Torá. Mas em uma prateleira mais alta, na altura dos olhos. Quem sabe?
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