Frater Optimus e as Bruxas da Internet

Frater Optimus e as Bruxas da Internet

Frater Optimus

Nosso colunista, Frater Optimus, é um mago das antigas, e não se conforma com a forma que a magia e o ocultismo vêm se manifestando nos dias de hoje. Em sua coluna, Frater Optimus solta o verbo e fala o que pensa – e você não é obrigado a concordar com ele diz.

Nesta semana, Frater Optimus fala sobre as Bruxas que povoam a Internet!

Era só o que me faltava. Eu pensava que a manifestação contemporânea da Bruxaria não tinha margem para piorar, com a mania recente de domesticar e tornar inofensivo aquilo que deveria ser selvagem e indômito. Eu escrevi uma coluna um dia desses sobre esses bruxos e bruxas abraçadores de árvores; vou pedir para o menino do computador colocar o texto aqui para quem ainda não leu. Mas, para minha surpresa, tem como piorar, sim.

Saiu no jornal que eu assino uma matéria – matéria não, uma pequena nota – dizendo que o interesse pelo tema “bruxaria” nos Estados Unidos nunca foi tão alto quanto agora, em 2017. Achei isso muito curioso. Suspeito, eu diria. Estava claro para mim que não se tratava de Bruxaria de verdade. Mas de repente poderia ser Wicca? Não sei. Talvez. Decidi investigar.

Conversei com um amigo que fez uma pesquisa pela Internet, e ele me disse que esse aumento súbito de interesse em Bruxaria veio de um tal de Tumblr, do qual eu nunca havia ouvido falar. Até aí, eu não sou fã de Internet, nenhuma surpresa. Mas pedi para esse amigo me mostrar de que tipo de Bruxaria esse Tumblr tanto fala.

Eu posso parecer ranzinza, mas no fundo sou um otimista. Eu pensava que a Bruxaria não podia baixar mais o nível, considerando que o novo padrão é a vertente domesticada da segunda metade do século XX. Mas é claro que meu otimismo não vale de nada. O nível sempre pode baixar. A minha dolorosa constatação é que a Bruxaria de Internet do século XXI é uma piada de mau gosto.

Parece que esse interesse renovado na Bruxaria veio do começo deste ano, quando uma dessas cantoras adolescentes que fazem fama hoje em dia disse em público que estava lançando feitiços contra aquele imbecil do Donald Trump. Até aí, não vejo problema nenhum. Acho, aliás, louvável que uma pessoa com “uma reputação a zelar” vá a público dizer que pratica magia e que adotou uma posição política clara, ao invés de ficar em cima do muro. Não lembro o nome da moça, mas parabéns para ela. Aliás, eu bato palmas para o ativismo mágico de forma geral, por mais que eu acredite que muitas vezes ele não funciona. Quando soube que tem gente por aí amaldiçoando o Temer, morri de rir.

A partir do momento em que surgiu uma formadora de opinião propagando a ideia de Bruxaria na Internet, falando com um público que não tem vivência nem cultura suficientes para entender o que é Bruxaria de verdade, começou uma nova era de Bruxaria de Internet. Que, para mim, é o pior tipo de Bruxaria que já existiu.

Para começar, as tais bruxas da Internet não leem. São fruto de um tempo em que a leitura é considerada desperdício de tempo, e acham que repetir fórmulas (na maioria das vezes erradas) dadas pelos outros é suficiente para conseguir efeitos mágicos. Mas não é! E daí começa a propagação do erro: a bruxa nunca conheceu os princípios teóricos da magia que está tentando fazer, aprendeu técnicas erradas por conta de exemplos errados, e acha que pode criar suas próprias operações, sem nenhum embasamento. Essa bruxa acaba, naturalmente, se tornando mais um exemplo errado para outras iniciantes, num círculo vicioso. Propagação do erro, aumento da entropia, chame como quiser. Essa é a receita para conduzir um sistema inteiro a um colapso inevitável.

Certa vez, José Saramago disse, a respeito da Internet:

Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

Saramago teve a sorte de falecer em 2010, e não teve o desprazer de ver a ascensão dos infames emojis. Mas o que isso tem a ver?

Pois então, eu também acho que não tem nada a ver. Mas explico. O ápice da propagação do erro e da técnica errada de Bruxaria sendo aplicada na prática são os famigerados “feitiços em emoji”. Não, eu não estou brincando.

Feitiços em Emoji

Essas “bruxas” realmente acreditam que o simples ato de repetir um monte de figurinhas mal desenhadas, espalhando-as pela Internet, para um público que não será afetado e que não está interessado, faz alguma diferença. Para mim, isso é a mesma coisa que esperar que um papagaio de um magista sério obtenha sucesso simplesmente ao repetir fórmulas mágicas aprendidas por repetição.

O que essas bruxinhas da Internet precisam entender é que para fazer a Bruxaria acontecer de verdade, não basta repetir fórmulas dadas pelos outros, e muito menos espalhar emojis por aí e esperar que as coisas aconteçam. Não é assim que a banda toca. A Bruxaria de verdade é um sistema tão simples de se usar, e funciona tão bem! O que essa gente tem na cabeça pensando que vale a pena inventar moda?

Quero deixar claro que não sou contra a inovação, nem no campo da magia nem em (quase) nenhum outro campo. Não. Mas acho que, para valer a pena criar uma coisa nova, é importante que ela seja superior à antiga. E essas bruxas da Internet estão piorando a Arte! Estão transformando a Bruxaria, que é uma tradição respeitável, em uma coleção de técnicas que não funcionam, com uma estética que não faz sentido, envoltas por uma aura de moralidade monoteísta judaico-cristã. Estão pegando uma coisa antiga, poderosa e temível e transformando-a em uma coisa morta e inócua, em motivo de chacota!

Quando uma coisa é grande o suficiente, a melhor forma de destruí-la é de dentro para fora. E, provavelmente sem perceber, essas bruxas da Internet estão fazendo exatamente isso com a Bruxaria. Por mais que a ideia não me agrade, acho que este é realmente um caminho sem volta.

Se você leva a Bruxaria a sério, tenho más notícias: provavelmente você não vai conseguir salvar a Bruxaria. A tendência é piorar. É bem possível que todos passem a achar que Bruxaria é apenas essa piada infame contemporânea. Mas quero crer que a antiga tradição sempre vai estar lá para quem quiser. Quando digo , quero dizer nos livros sérios, mas também quero dizer no conhecimento perene guardado pelas avós, e também nas dobras mais escondidas do seu cérebro animal.

Porque a Bruxaria de verdade é, e sempre será, resistência.

 

Se você quiser conhecer mais sobre a bruxaria tradicional, a bruxaria de verdade, uma boa fonte é A Arte dos Indomados, de Nicholaj de Mattos Frisvold. E se você acha que os tempos atuais não têm espaço para uma Bruxaria séria, o livro Bruxaria Apocalíptica, de Peter Grey, tem o potencial de mudar a sua opinião. Isso, é claro, se você não se contentar em ser mais uma bruxinha maria-vai-com-as-outras que ficar repetindo emojis por aí.

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Frater Optimus e as Bruxas da Internet

Texto publicado originalmente no site do Magic(k)ando.