Autodefesa Psíquica – Prefácio de Dion Fortune

É conhecendo a seriedade dos assuntos envolvidos que me lanço à tarefa de escrever um livro sobre ataques psíquicos e os melhores métodos de defesa contra eles. Tal empreendimento é cheio de armadilhas. É quase impossível dar informações práticas sobre os métodos de defesa psíquica sem, ao mesmo tempo, dar informações práticas sobre os métodos de ataque psíquico. Não é à toa que iniciados sempre guardaram sua ciência secreta atrás de portas fechadas. O meu problema é revelar o suficiente para que seja adequado sem revelar o suficiente para que seja perigoso. Mas como tanto sobre os ensinamentos esotéricos já se tornou conhecido, e como o círculo de estudantes do oculto cresce rapidamente a cada dia, é possível que tenha chegado a hora de falar abertamente. A tarefa não é uma busca minha; mas, como caiu em minhas mãos, farei o meu melhor para executá-la honrosamente, disponibilizando os conhecimentos que chegaram a mim ao longo de muitos anos de experiência pelos estranhos caminhos paralelos da mente que o místico compartilha com o lunático. Esse conhecimento não foi obtido sem custo, e suspeito que sua divulgação também não será totalmente isenta de custos.

Eu tentei evitar, o tanto quanto possível, o uso de material de segunda mão. Todos nós conhecemos aquela pessoa que tem um amigo cuja amiga viu o fantasma com seus próprios olhos. Isso não é muito útil para ninguém. O que precisamos é colocar a testemunha ocular sob interrogatório cruzado. Por isso, não me baseei na vasta literatura sobre o tema para ilustrar minha tese, preferindo ter como base casos que chegaram ao alcance de minha própria experiência, e os quais tive a oportunidade de examinar.

Acredito que eu possa dizer sinceramente que tenho qualificações práticas, e não meramente teóricas, para a tarefa. A princípio, minha atenção foi voltada à psicologia, e depois ao ocultismo como a verdadeira chave da psicologia, por conta de uma experiência pessoal de um ataque psíquico que me deixou com a saúde em frangalhos por um período considerável. Eu senti na pele o horror peculiar desse tipo de experiência, sua perfídia, sua potência e seus efeitos desastrosos na mente e no corpo.

Não é fácil fazer com que as pessoas se voluntariem a depor sobre ataques psíquicos. Primeiramente, porque elas sabem que há baixíssima probabilidade de que se acredite nelas, e que é mais provável que elas ganhem uma reputação por desequilíbrio mental do que qualquer outra coisa. Em segundo lugar, porque qualquer adulteração das fundações da personalidade é uma experiência de um horror tão peculiar e único que a mente se encolhe ao contemplá-la, e a pessoa torna-se incapaz de falar a respeito daquilo.

Minha opinião é de que ataques psíquicos são bem mais comuns do que normalmente se pensa, até mesmo do que os próprios ocultistas pensam. Certamente, o público geral não tem ideia de todos os tipos de coisas feitas por pessoas com um conhecimento dos poderes da mente humana e que se empenham em explorá-los. Estou convencida de que este fator desempenhou um papel importante no culto das bruxas, e que foi a verdadeira causa do horror universal às bruxas, e do quanto elas são detestadas. Estes poderes sempre foram conhecidos por estudantes do ocultismo, mas atualmente são conhecidos e usados por pessoas que ficariam bastante surpresas ao descobrir quem são seus colegas de práticas. A Sra. Eddy,1 fundadora da Ciência Cristã,2 tropeçou empiricamente nestes métodos sem jamais adquirir qualquer conhecimento racional quanto ao seu modus operandi. Ela empenhou-se em ensiná-los de uma maneira que eles só poderiam ser usados para o bem, e que seu poder para o mal deveria ser escondido; mas ela mesma estava bastante ciente do que seria possível ao abusar deles, como testemunhado pelo temor daquilo que ela chamava de “Magnetismo Animal Malicioso”, que foi sua sombra por toda sua vida.

1. Mary Baker Eddy, líder religiosa estadunidense.

2. Movimento religioso cristão iniciado nos Estados Unidos no século XIX, baseado na Bíblia e no livro Ciência e Saúde, com a Chave das Escrituras. A Ciência Cristã era uma das doutrinas prevalentes na família da autora nos primeiros anos de sua vida.

Os métodos da Ciência Cristã, sem sua estrita disciplina e cautelosa organização, foram desenvolvidos e explorados pelas inúmeras escolas e seitas do Movimento Novo Pensamento.3 Em muitos dos desenvolvimentos, o aspecto religioso se perdeu de vista, e eles se tornaram apenas métodos de manipulação mental para objetivos puramente pessoais, ainda que não deliberadamente malignos. Seus expoentes anunciavam que podiam ensinar a arte das vendas, de se tornar popular e dominante na sociedade, de atrair o sexo oposto, de atrair para si dinheiro e sucesso. O impressionante número desses cursos anunciados mostra sua popularidade; em uma edição recente de uma revista americana, contei anúncios de sessenta e três cursos diferentes de diversas formas de poderes da mente. Eles não seriam tão populares se não tivessem resultado algum. Consideremos alguns desses anúncios e vejamos o que eles indicam, lendo entre as linhas e chegando às nossas próprias conclusões.

3. Também surgido nos Estados Unidos no século XIX, não é uma religião organizada, e sim uma escola de pensamento. Mary Baker Eddy foi paciente de seu fundador, Phineas Parkhurst Quimby, e discordava de pontos importantes de sua doutrina.

“Transfira seus pensamentos para os outros. Solicite uma brochura gratuita. Telepatia ou Rádio Mental.”

“Com problemas – de saúde, amor, dinheiro? Permita-me ajudar você. Sem falta, se as instruções forem seguidas. Estritamente pessoal e profissional. Cuidadoso como um médico de família.  Cinco dólares devem acompanhar a solicitação. Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.”

“O que você quer? O que quer que seja, podemos ajudá-lo a conseguir. Apenas nos dê uma oportunidade; mande uma carta pedindo “Nuvens Dispersadas”. Totalmente grátis. Você se deleitará.”4

4. “Nuvens Dispersadas” (Clouds Dispelled) foi uma brochura da Brotherhood of Light (Irmandade da Luz), que anunciava diversos cursos à venda na época.

Hipnose. Você gostaria de possuir esse poder estranho e misterioso que encanta e fascina homens e mulheres, influencia seus pensamentos, controla seus desejos e faz de você o mestre supremo de todas as situações? A vida é cheia de possibilidades fascinantes para aqueles que dominam os segredos da influência hipnótica, para aqueles que desenvolvem seus poderes magnéticos. Você pode aprender em casa, curar doenças e maus hábitos sem uso de drogas, ganhar a amizade e o amor de outros, aumentar sua renda, satisfazer suas ambições, expulsar preocupações e aborrecimentos de sua mente, melhorar sua memória, superar dificuldades domésticas, prover o entretenimento mais sensacional já visto e desenvolver uma força de vontade maravilhosamente magnética que lhe capacitará a superar todos os obstáculos ao seu sucesso.

Você pode hipnotizar pessoas instantaneamente – rápido como um relâmpago –, colocar a si mesmo ou a outros para dormir a qualquer hora do dia ou da noite, ou banir dor e sofrimento. Nosso livro gratuito lhe conta os segredos dessa ciência maravilhosa. Ele explica exatamente como você pode usar esse poder para melhorar suas condições na vida. Ele é enfaticamente endossado por ministros do evangelho, advogados, médicos, homens de negócios e mulheres da sociedade. Ele beneficia a todos. Ele não custa nada. Distribuímos ele de graça para propagandear nossa instituição.”

Estes são uns poucos espécimes escolhidos entre os sessenta e três anúncios similares contados nessa única edição de uma revista semanal popular. Eles estão apresentados na íntegra, sem nenhuma edição, salvo pela omissão dos endereços.

Consideremos agora o que anúncios como estes significam do ponto de vista das pessoas para quem eles não são endereçados, as pessoas sobre as quais presume-se que o leitor deseja adquirir poder. Qual será sua posição se quebrarmos o décimo mandamento e cobiçarmos a mulher do próximo, ou seu boi, ou seu jumento, ou qualquer de seus outros itens de valor? Supondo que o estudante dedicado desses métodos queira algo que não deveria ter? Supondo que ele esteja do lado cinzento da lei? Ou que esteja desenvolvendo uma sensação de que foi prejudicado e deseja vingança? Ou que apenas ame o poder pelo poder? Qual é o destino da bucha de canhão que fornece ao estudante dos poderes da mente os materiais para seus experimentos? Qual é a sensação de ser dominado por esses métodos, e quais resultados podem afinal ser obtidos pelo experimentador competente?

Permita-me apresentar minha própria experiência, por mais dolorosa que seja, pois alguém precisa ser o primeiro a dar um passo à frente e desvelar esses abusos que só conseguem florescer por causa do fracasso generalizado em perceber sua significância.

Quando era uma jovem garota de vinte anos, eu trabalhei para uma mulher que agora sei que deveria ter um conhecimento considerável de ocultismo, obtido ao longo de um longo período morando na Índia, e do qual ela dava diversas pistas que eu não conseguia decifrar naquela época, mas que, à luz do conhecimento posterior, vim a entender.5 Era costume dela controlar sua equipe por meio de seu conhecimento de poderes da mente, e havia uma sequência constante dos mais peculiares colapsos entre as pessoas que trabalhavam para ela.

5. O local de trabalho a que este relato se refere era o Studley Horticultural & Agricultural College for Women, que encerrou suas atividades em 1969. A tal chefe da autora era a médica e escritora inglesa Lillias Anna Hamilton.

Não fazia muito tempo que eu estava com ela quando ela quis que eu apresentasse evidência em um processo legal. Ela era uma mulher de têmpera violenta, e havia dispensado um funcionário sem aviso prévio e sem seus pagamentos, e ele a estava processando pelo dinheiro que lhe era devido. Ela queria que eu dissesse que seu comportamento havia sido tal que ela teria justa causa para dispensá-lo. Seu método de coletar minha evidência foi fitar meus olhos com um olhar concentrado e dizer “Tal e tal coisa aconteceu”. Por sorte, para todos os envolvidos, eu mantinha um diário e tinha um registro do que aconteceu a cada dia durante toda a transação. Se não fosse por isso, eu não saberia onde estava. No fim da entrevista, eu estava perplexa e exausta, e me deitei na minha cama com as roupas do corpo e dormi o sono da completa exaustão, até a manhã seguinte. Imagino que eu tenha dormido por volta de quinze horas.

Pouco tempo depois, ela quis meu testemunho novamente. Ela queria se livrar de meu superior imediato, e queria encontrar motivos suficientes para justificar isso. Ela repetiu suas manobras, mas dessa vez eu não tinha um diário ao qual recorrer; e, para minha enorme surpresa, me vi concordando com ela em uma série de acusações completamente infundadas a respeito do caráter de um homem que eu não tinha motivo algum para acreditar não ser perfeitamente honesto. A mesma exaustão e o mesmo sono de morte abateram-se sobre mim imediatamente após essa entrevista, da mesma maneira da vez anterior, mas agora manifestou-se um novo sintoma. Quando eu estava saindo da sala, no fim da entrevista, tive uma sensação curiosa, como se meus pés não estivessem no lugar que eu esperava que estivessem. Qualquer um que já tenha andado por um tapete estufado por uma corrente de ar abaixo do piso sabe do que eu estou falando. Ocultistas reconhecerão isso como algo relacionado à extrusão do duplo etéreo.

O próximo incidente a ocorrer naquele ambiente curioso não tinha a ver comigo, mas com outra garota, uma órfã com recursos consideráveis. Minha empregadora mantinha essa garota constantemente consigo, e finalmente a convenceu a aplicar todo seu capital em seus esquemas. No entanto, seus curadores ficaram enfurecidos, forçaram minha empregadora a ceder, e imediatamente levaram a garota embora com eles, deixando para trás todos os seus pertences, a serem empacotados e enviados a ela posteriormente.

Outro incidente ocorreu pouco depois desse. Havia uma mulher idosa no estabelecimento, que estava ligeiramente mentalmente “desprovida”. Uma senhorinha querida, mas infantil e excêntrica. Minha empregadora agora voltava sua atenção para ela, e observamos o começo do mesmo processo de dominação. Neste caso, não havia curadores para interferir, e a pobre senhora foi convencida a tirar seus negócios das mãos de seu irmão, que até então cuidava deles, e entregá-los aos pios cuidados de minha empregadora. Minhas suspeitas agora estavam plenamente despertadas. Ver a velha “Titia” ser tapeada era mais do que eu podia suportar, então eu entrei no jogo, despertei a “Titia” quanto à situação, enfiei seus pertences em uma caixa e a mandei para seus parentes, enquanto minha empregadora estava afastada em uma breve ausência.

Eu esperava que minha cumplicidade no caso não se tornasse conhecida, mas logo me desiludi. A secretária de minha empregadora veio ao meu quarto em uma noite, após o “apagar das luzes”, e me alertou que a Diretora, como ela chamava nossa empregadora, havia descoberto quem arquitetara a fuga da “Titia”, e era melhor eu ficar alerta para problemas. Sabendo que ela tinha uma natureza extremamente vingativa, eu sabia que meu melhor recurso seria fugir, mas fugir não era exatamente algo fácil de se fazer. A instituição na qual eu estava empregada era educacional, e era preciso entregar um aviso prévio antes de sair. Eu não ansiava por trabalhar durante o período de aviso prévio sob o controle incontido de uma mulher maldosa. Então, fiquei atenta para uma oportunidade que pudesse justificar minha saída. Com a têmpera descontrolada de minha empregadora, a busca não demorou. Eu estava acordada até tarde na noite seguinte, empacotando minhas coisas, em preparo para minha fuga pretendida, quando entrou no meu quarto outra membra da equipe, uma garota que quase não falava, não tinha amigos, e fazia seu trabalho como um autômato. Eu nunca havia lidado com ela, e sua visita foi mais do que uma surpresa.

No entanto, logo tudo se explicou.

— Você vai sair? —, disse ela.

Eu admiti que iria.

— Então vá sem falar com a Diretora. Você não vai sair se não fizer assim. Eu tentei diversas vezes, e não consigo sair.

No entanto, eu era jovem e estava confiante em minha força não experimentada, sem meios de medir as forças organizadas contra mim; e, na manhã seguinte, vestida para a jornada e com a maleta na mão, desci e desafiei minha formidável empregadora em seu covil, determinada a dizer a ela o que pensava sobre ela e seus métodos, sem suspeita alguma de que qualquer coisa além de desonestidade e ameaças corriqueiras estivessem em progresso.

No entanto, não me foi permitido começar com meu discurso cuidadosamente preparado. Assim que descobriu que eu estava de saída, ela disse:

— Muito bem, se você quiser ir, pode ir. Mas antes de ir, você precisa admitir que é incompetente e não tem autoconfiança.

Ainda cheia de vontade de brigar, respondi que, se eu era incompetente, por que ela mesma não me demitia; e, de qualquer maneira, eu era o produto da sua própria escola de treinamento. Uma observação que, naturalmente, não melhorou as coisas.

Então começou uma litania extraordinária. Ela continuou com seu velho truque de me fitar fixamente com um olhar determinado, e disse:

— Você é incompetente, e você sabe disso. Você não tem autoconfiança, e precisa admitir.

Ao que eu respondi: — Isso não é verdade. Eu conheço meu trabalho, e você sabe que eu conheço.

Ora, não há dúvidas de que muito poderia ser dito a respeito da minha competência no meu primeiro trabalho, aos vinte anos de idade, com muita responsabilidade em minhas costas, e tendo entrado recentemente em um departamento desorganizado; mas nada podia ser dito contra minha autoconfiança, exceto que eu a tinha em excesso. Eu estava preparada o bastante para entrar com tudo onde até os arcanjos pensariam duas vezes.

Minha empregadora não discutiu nem abusou de mim. Ela continuou com aquelas duas afirmações, repetidas como as respostas de uma litania. Eu entrei em sua sala às dez horas e saí às duas. Ela deve ter dito aquelas duas frases várias centenas de vezes. Eu entrei na sala como uma garota forte e saudável. Eu saí de lá como uma ruína mental e física, e passei três anos doente.

Alguns instintos me alertaram que se eu admitisse que era incompetente e não tinha autoconfiança, meu ânimo seria destruído e eu nunca mais serviria para nada, e reconheci que aquela era uma manobra peculiar por parte de minha empregadora como um ato de vingança. Por qual motivo eu não segui a solução óbvia de recorrer à fuga, eu não sei dizer, mas quando alguém percebe que há algo de anormal quanto a essas ocasiões, essa pessoa já está mais ou menos sob um glamour; e, assim como um pássaro perante uma cobra não consegue usar suas asas, essa pessoa não consegue sair ou virar as costas.

Gradualmente, tudo começou a parecer irreal. Tudo que eu sabia era que eu precisava me ater a todo custo à integridade da minha alma. Depois de concordar com suas sugestões, eu estava acabada. Seguimos com nossa litania.

Mas eu estava chegando perto do fim dos meus recursos. Eu tinha uma sensação curiosa, como se meu campo de visão estivesse se estreitando. Esse, creio eu, é um fenômeno característico da histeria. Nos cantos dos meus olhos, eu conseguia ver duas paredes de escuridão me espreitando de ambos os lados, como se estivesse de costas para o ângulo de uma tela, e ela estivesse lentamente se fechando sobre mim. Eu sabia que, quando aquelas duas paredes de escuridão se encontrassem, eu estaria quebrada.

Então aconteceu uma coisa curiosa. Eu ouvi claramente uma voz interior dizendo:

— Finja que você está vencida antes que esteja de verdade. Ela interromperá o ataque e você conseguirá escapar. — O que era aquela voz, eu nunca soube.

Imediatamente, segui seu conselho. Exageradamente, perdi pelo perdão de minha empregadora por tudo que eu fizera ou viria a fazer. Prometi continuar em meu cargo e agir com tranquilidade por todos os dias da minha vida. Lembro que me ajoelhei para ela, e ela murmurou complacentemente sobre mim, bastante satisfeita com o trabalho da manhã, como ela tinha todos os motivos para estar.

Então ela me deixou ir, e eu subi para o meu quarto e me deitei na cama. Mas não consegui descansar até ter escrito uma carta para ela. O que aquela carta continha eu não sei dizer. Assim que eu a escrevi e coloquei onde ela a receberia, caí em uma espécie de estupor, e permaneci naquele estado, com minha mente completamente suspensa, até a noite seguinte. Isto é, das duas da tarde de um dia até as oito da noite do dia seguinte – trinta horas. Era um dia frio de primavera, com neve no chão. Uma janela próxima à cabeceira da cama estava escancarada, e o quarto não tinha calefação. Eu não estava usando nenhuma coberta, mas não senti frio nem fome, e todos os processos do corpo estavam suspensos. Eu nem me mexia. O batimento cardíaco e a respiração estavam muito lentos, e continuaram assim por vários dias.

Finalmente eu fui encontrada pelo zelador, que me reviveu ao simplesmente me sacudir um bocado e aplicar uma esponja fria. Eu estava estupefata e indisposta a me mexer, ou mesmo comer. Me deixaram deitada, meu trabalho cuidando de si mesmo, o zelador vindo me olhar de tempos em tempos, mas sem comentar sobre minha condição. Minha empregadora nunca deu as caras.

Depois de uns três dias, minha amiga especial, que achava que eu havia saído da casa, soube que eu ainda estava por lá, e veio me ver; um ato que exigia alguma coragem, pois nossa empregadora mútua era uma antagonista formidável. Ela me perguntou o que acontecera em minha entrevista com a Diretora, mas eu não consegui contar a ela. Minha mente estava em branco, e toda a memória daquela entrevista havia se esvaído, como se uma esponja houvesse sido passada sobre uma lousa. Tudo que sei é que das profundezas da minha mente um terrível estado de medo emergia e me obcecava. Não era medo de uma coisa ou pessoa. Apenas puro medo, sem um foco, mas não menos terrível por causa disso. Fiquei deitada na cama com todos os sintomas físicos do medo intenso. Boca seca, palmas das mãos suando, taquicardia e respiração rasa e curta. Meu coração batia tão forte que, a cada batida, uma peça frouxa de latão da armação da cama fazia um barulho. Para minha sorte, minha amiga percebeu que alguma coisa estava muito errada e chamou minha família, que me buscou. Eles estavam extremamente desconfiados. A Diretora estava extraordinariamente desconfortável, mas ninguém conseguia provar nada, então nada foi dito. Minha mente estava em branco. Eu estava completamente intimidada e muito exausta, e meu único desejo era ir embora.

No entanto, eu não me recuperei como era esperado. A intensidade dos sintomas se abrandou, mas continuei me cansando com muita facilidade, como se toda minha vitalidade tivesse sido drenada de mim. Eu sabia que, em algum lugar no fundo da minha mente, estava escondida a memória de uma experiência terrível, e não ousava pensar nisso, pois se eu o fizesse, o choque e o esforço seriam tão severos que minha mente poderia desistir completamente. Meu principal consolo era um velho livro escolar de aritmética, e eu passava horas e horas fazendo simples contas de somar, para evitar que minha mente se despedaçasse ao imaginar o que havia sido feito comigo e escorregasse rumo à memória, e então recuasse dela como um cavalo assustado. Finalmente eu conquistei um tanto de paz ao chegar à conclusão de que eu simplesmente tivera um colapso por excesso de trabalho, e que toda a transação esquisita era fruto da minha imaginação. E ainda assim, permanecia um sentimento de que aquilo era real, e aquele sentimento não me deixava descansar.

Cerca de um ano após o incidente, com minha saúde ainda bastante debilitada, fui para o campo para me recuperar, e lá encontrei uma amiga que estava no local quando meu colapso ocorreu. Aparentemente ele causou bastante reboliço, e eu encontrei alguém que não estava disposta a dar uma explicação definitiva sobre minha experiência, mas que em vez disso fez perguntas pertinentes. Outra nova amiga se interessou pelo meu caso e me arrastou para o médico da sua família, que deu sua franca opinião de que eu havia sido hipnotizada. Isso foi antes da psicoterapia, e o tratamento que ele tinha a oferecer para uma mente doente se limitava a um tapinha nas costas, um tônico e brometo. O tônico foi útil, mas o brometo não, pois diminuiu meus poderes de resistência, e prontamente o descartei, preferindo lidar com meu desconforto do que me permitir ficar sem defesas. Por todo aquele tempo, fiquei obcecada pelo medo de que aquela estranha força, que me havia sido aplicada tão eficazmente, voltasse a ser aplicada. Mas embora eu temesse aquele poder misterioso, que agora percebo que não era mundano, não consigo dizer o alívio que foi descobrir que toda aquela transação não foi uma alucinação, mas um fato, do qual poderia me reerguer e com o qual poderia lidar.

Consegui me livrar daquele medo ao encarar toda a situação e me determinar a descobrir exatamente o que havia sido feito a mim, e como poderia me proteger contra uma repetição daquela experiência. Foi um processo extremamente desagradável; na verdade, a reação causada pela recuperação das memórias perdidas foi apenas um pouco menos violenta do que o fato em si. Mas, por fim, consegui me libertar daquele medo pantanoso, embora tenha demorado bastante para minha saúde se normalizar. Meu corpo era como uma bateria elétrica totalmente descarregada. Levou muito tempo para que eu recarregasse, e toda vez que a bateria era usada antes da carga estar completa, ela voltava a descarregar rapidamente. Por muito tempo eu não tive reservas de energia, e qualquer mínimo esforço resultava em um sono de morte, a qualquer hora do dia. Na linguagem do ocultismo, o duplo etéreo fora danificado, e estava vazando prana. Eu não voltei ao normal até ser iniciada na ordem oculta na qual fui treinada. Dentro de uma hora após a cerimônia, senti uma mudança, e desde então, é só em raríssimas ocasiões que, após algum dano psíquico, eu tenho um retorno temporário àqueles extenuantes ataques de exaustão.

Contei essa história em detalhes pois é uma ilustração útil da forma como poderes pouco conhecidos da mente podem ser abusados por uma pessoa inescrupulosa. Experiência em primeira mão tem muito mais valor do que qualquer quantidade de exemplos das páginas da história, por mais confirmados que sejam.

Se tal transação houvesse ocorrido durante a Idade Média, o sacerdote da paróquia teria organizado uma caça às bruxas. À luz das minhas próprias experiências, nada me surpreende que as pessoas que obtiveram uma reputação pela prática da bruxaria fossem linchadas, sendo os métodos tão terríveis e tão intangíveis. Podemos pensar que os registros dos julgamentos de bruxas são ridículos, com suas histórias de imagens de cera derretendo à frente de fogos lentos, ou de crucificação de sapos batizados, ou do recitar de pequenas, rimas, como “Cavalo, chapéu, Cavalgar, cavalgar”.6 Mas, se entendermos o uso do poder da mente, logo percebemos que essas coisas eram simplesmente suportes para a concentração. Não há diferença essencial entre enfiar alfinetes em uma imagem de cera de um inimigo e queimar velas em frente a uma imagem de cera da Virgem. Você pode pensar que ambas estas práticas são superstições vulgares, mas é difícil afirmar que uma é real e potente enquanto nega a realidade e potência da outra. Dizer que “as armas da nossa milícia não são carnais”7 pode ser tão verdadeiro quanto aos praticantes da Magia Negra quanto aos da Igreja.

6. “Horse, hattock, To ride, to ride”. Variações deste encantamento aparecem na literatura de julgamentos de bruxas, em associação à aparição de fadas e ao voo das bruxas. Entre outras formas, há “Horse and Hattock in the Devil’s name” e “Horse and Hattock! Horse and go! Horse and Pellatis! Ho! Ho!”.

7. Vide 2 Coríntios 10:4.

Meu próprio caso cai mais no reino da psicologia do que no do ocultismo, sendo o método empregado uma aplicação de poder hipnótico para fins escusos; no entanto, eu o apresentei pois estou convencida de que métodos hipnóticos são muito amplamente usados na Magia Negra, e que sugestão telepática é a chave para uma grande parte do fenômeno. Cito meu próprio caso, ainda que isso me doa, pois um grama de experiência vale um quilo de teoria. Foi essa experiência que me levou a iniciar um estudo da psicologia analítica e, posteriormente, do ocultismo.

Assim que toquei nos aspectos mais profundos da psicologia prática e observei a dissecação da mente sob a lente da psicanálise, percebi que a mente tem muito mais do que as teorias psicológicas aceitas dão conta. Percebi que estamos no centro de um pequeno círculo de luz projetado por conhecimento científico correto, mas ao nosso redor há uma esfera de escuridão vasta e circundante, e que naquela escuridão movem-se formas tênues. Foi para entender os aspectos escondidos da mente que eu originalmente comecei a estudar ocultismo.

Eu tive minha dose de aventuras pelo Caminho; conheci homens e mulheres que sem dúvida poderiam ser considerados adeptos; vi fenômenos que nenhuma sala de sessão espírita já viu, e tive minha participação neles; participei de contendas psíquicas, e cumpri meus turnos na guarda da força policial oculta que, sob o comando dos Mestres da Grande Loja Branca, defende as nações, cada uma de acordo com sua raça; mantive a vigília oculta quando ninguém ousava dormir enquanto o sol estava abaixo do horizonte; e persisti desesperadamente, pareando minha resistência contra o ataque até que as marés mudassem e a força do ataque se esvaísse.

E, ao longo de todas essas experiências, eu estava aprendendo a interpretar o ocultismo à luz da psicologia, e a psicologia à luz do ocultismo, um pondo o outro em cheque, um explicando o outro.

Por conta de meu conhecimento especializado, pessoas vinham a mim quando suspeitavam de um ataque oculto, e suas experiências reforçam e suplementam a minha própria. Além disso, há uma literatura considerável sobre o tema a se encontrar onde menos se espera – nos relatos de folclore e etnologia, nos Registros Oficiais de julgamentos de bruxas, e até à guisa de ficção. Estes relatos independentes, feitos por pessoas sem interesse algum por fenômenos psíquicos, confirmam as afirmações feitas por aqueles que experienciaram ataques ocultos.

Por outro lado, temos que distinguir com muita cautela experiências psíquicas de alucinações subjetivas; precisamos ter certeza de que a pessoa que reclama de um ataque psíquico não está ouvindo a reverberação de seus próprios complexos dissociados. O diagnóstico diferencial entre histeria, insanidade e ataque psíquico é uma operação extremamente delicada e difícil, pois com muita frequência os casos não são evidentes, tendo mais de um elemento presente; um ataque psíquico severo pode causar um colapso mental, e um colapso mental pode deixar sua vítima aberta para invasão do Invisível. Todos esses fatores precisam ser levados em consideração ao investigar um suposto ataque oculto, e minha tarefa nestas páginas será não apenas indicar os métodos para defesa oculta, mas também mostrar os métodos de diagnóstico diferencial.

É muito necessário, com tanto conhecimento oculto por aí, que as pessoas reconheçam um ataque oculto quando o virem. Essas coisas são muito mais comuns do que normalmente se imagina. A recente tragédia em Iona8 é um exemplo dessa afirmação. Nenhum ocultista tem a ilusão de que aquela morte foi por causas naturais. Na minha própria experiência, eu soube de mortes similares.

8. O misterioso falecimento de Nora Emily Fornario, explicado em maiores detalhes nos capítulos seguintes. O caso teve alguma repercussão nos jornais da época. Nora era membra da Alpha et Omega, uma dissidência da Golden Dawn, e amiga de Dion Fortune.

Em meu romance The Secrets of Dr. Taverner,9 diversos casos que ilustram as hipóteses da ciência oculta foram apresentados como ficção. Algumas dessas histórias foram criadas para mostrar a operação de forças invisíveis; outras foram inspiradas em casos reais; e algumas foram simplificadas, em vez de complicadas, para torná-las compreensíveis para o público geral.

9. “Os Segredos do Dr. Taverner”.

Tantas experiências em primeira mão, confirmadas por evidências independentes, não devem ser desconsideradas, especialmente considerando que explicações racionais são difíceis de encontrar, exceto em termos de hipóteses ocultas. Pode ser possível explicar cada um dos casos individuais mencionados nessas páginas alegando alucinação, fraude, histeria ou simplesmente mentira, mas não é possível explicar a totalidade deles desta maneira. Não é possível que haja tanta fumaça sem algum fogo. Não é possível que o prestígio do mago da antiguidade e da bruxa na Idade Média tenha surgido sem alguma base na experiência. A bazófia das mulheres sábias não deveria ser levada em mais alta conta do que a do idiota da vila se jamais fossem seguidas por consequências dolorosas. Medo era o motivo para suas perseguições, e medo baseado em amargas experiências; pois não foi a oficialidade que instigou as queimas de bruxas, mas sim zonas rurais inteiras que se movimentavam para um linchamento. O horror universal da bruxa deve ter alguma causa subjacente.

As trilhas labirínticas do Caminho da Mão Esquerda são tão extensas quanto tortuosas; mas, ao passo que os exponho parcialmente, ao menos o seu horror, ainda defendo que o Caminho da Mão Direita para a iniciação e o conhecimento oculto é um caminho para as mais elevadas experiências místicas, e um meio de suspender o fardo do sofrimento humano. Nem todo estudante desse conhecimento necessariamente abusa dele; há muitos, ou melhor, a grande maioria, que o administram abnegadamente em prol da humanidade, usando-o para curar, abençoar e recuperar o que se perdeu. Pode-se fazer a pergunta: Se esse conhecimento pode ser abusado de forma tão desastrosa, por que erguer seu véu? A resposta para esta pergunta é uma questão de temperamento. Alguns defenderão que conhecimento de qualquer espécie não pode ser desprovido de valor. Outros dirão que é melhor não mexer nesse vespeiro. O problema é que, infelizmente, vespas costumam ser um problema mesmo para quem não mexe no vespeiro. Tanto conhecimento oculto está disponível no mundo, tantas das coisas descritas nestas páginas acontecem à nossa volta sem tomarmos conhecimento ou mesmo suspeitarmos delas, que é muito desejável que pessoas de boa vontade investiguem as forças que pessoas de má vontade perverteram para seus próprios fins. Essas coisas são as patologias da vida mística e, se fossem melhor entendidas, muitas tragédias poderiam ser evitadas.

Por outro lado, não convém que todos estudem livros de patologia. Imaginação vívida e cabeça fraca são uma combinação desastrosa. Os leitores daquele antigo “best-seller”, Três Homens e Uma Canoa,10 podem se lembrar do destino do indivíduo que passou uma tarde chuvosa de domingo lendo um livro de medicina. No final, ele estava fortemente convencido de que tinha cada uma das doenças lá descritas, com a única exceção de bursite no joelho.

10. “Three Men in a Boat (To Say Nothing of the Dog)”, de Jerome K. Jerome.

A proposta deste livro não é apenas dar arrepios, mas sim ser uma séria contribuição a um aspecto pouco conhecido da psicologia anormal, que às vezes é pervertida com objetivos criminosos. É um livro destinado aos estudantes sérios e àqueles que se veem confrontados pelos problemas que ele descreve, e que estão tentando entendê-los e encontrar uma saída. Meu principal objetivo ao falar tão francamente é abrir os olhos de homens e mulheres quanto à natureza das forças que operam abaixo da superfície da vida cotidiana. Pode acontecer de qualquer um de nós romper a fina casca de normalidade e nos vermos defrontados com tais forças. Lendo os casos citados neste livro, podemos muito bem dizer que, salvo pela graça divina, isso pode acontecer com qualquer um de nós. Se eu puder oferecer nestas páginas o conhecimento que protege, terei cumprido meu propósito.