Música ao Vivo ou Ritual?

Há uma tendência moderna em misturar música ao vivo com rituais, sejam eles de diversas naturezas? Elementos pagãos, ritualística eclesiástica, o modus operandi caoísta: como tudo isso tem se tornado cada vez mais popular e tem atraído cada vez mais público para os shows.

Origens

Relatos de rituais mágickos, verdadeiros e organizados ou “falsos” e improvisados, não são uma novidade no meio musical, e muito menos técnica nova para atrair público pagante a performances ao vivo. Há relatos interessantíssimos por parte do público, ainda do final dos anos 60, sobre os shows do Black Sabbath. A ocorrência de “rituais macabros” feitos pelos membros da banda literalmente afugentavam muita gente quando a canção “Black Sabbath” começava a tocar. Obviamente, os próprios membros da banda se divertiam com a “má fama”, ou a pecha de “adoradores do Demônio”, apesar de estar apenas tocando. Isso nunca foi “impeditivo” ou motivo de vergonha para que outras bandas seguissem pela mesma estrada. Aliás, algumas delas levaram a coisa realmente à sério.

Peter Carroll em pessoa foi “testemunha” e parte de uma ocorrência específica, assim como relatado por Julian Wayne e Nikki Wyrd, em “O Livro de Baphomet”:

Também houve um caso demente no Trinity Hall, em Bristol, em um show de rock no qual Dave Lee estava presente. Era mal planejado, mal executado e a organização estava uma bagunça, houve algumas brigas…

Esse evento atabalhoado no começo dos anos oitenta surgiu por causa dos contatos entre membros do meu templo em Bristol e o músico Mark Stewart. Aparentemente, foi combinado que nos encontraríamos antes do show para um ensaio, no qual improvisaríamos algo que encaixasse com as suas músicas para um ritual de solstício de inverno que seria feito no palco, à meia-noite, no auge do solstício. No caso, aparecemos por volta das 20h, mas nem Mark nem os acessórios de palco ou a oportunidade de ensaiar apareceram. Esperamos sentados ali por horas, e o lugar começou a encher de tipos punks, anárquicos e alternativos. Finalmente nos disseram que deveríamos simplesmente subir no palco e fazer o que viemos fazer. Bem, não tínhamos nada planejado e um dos integrantes do grupo terminou um relacionamento lá mesmo e tinha ficado muito bêbado enquanto esperava. Eu sugeri que poderíamos deixar para lá, mas os membros estavam entusiasmados para fazer algo, alguns tinham viajado de longe para isso e tinham esperado a noite toda. Minhas últimas palavras para eles foram “bem, eu começo e vocês terminam”. Eles colocaram seus mantos e máscaras e acenderam suas tochas flamejantes. Eu surgi por trás de uma caixa de som e dei as boas-vindas ao solstício como o dia da maior escuridão, e então proferi uma versão rosnada da invocação de Baphomet, e depois me retirei para trás das caixas de som e os deixei continuar. Eles marcharam para o palco em seus robes e máscaras e tochas flamejantes e, de repente, alguém que conhecíamos vagamente da cena do rock pula para o centro do palco e começa a entoar o Ritual Menor de Banimento, com gosto. Daí, o incrivelmente bêbado integrante do nosso grupo vai até a beira do palco e tenta atear fogo no cara usando sua tocha. O cara agarra a tocha logo abaixo da ponta flamejante e a joga para o lado, e o maluco dá alguns passos para trás e se joga para fora do palco, na direção do cara que estava fazendo o banimento. Então os seguranças se embolam e acontece uma confusão, tochas são derrubadas em meio à fiação do palco, a plateia parece ficar um pouco selvagem. Eu não tenho certeza do que aconteceu em seguida, pessoas estão correndo e gritando e eu agarro um microfone e anuncio que a Manifestação do Caos está acabando. Bem, talvez esteja, mas a desordem continua. Eu pego meu manto intocado nos bastidores e me preparo para ir embora. Eu trombo com Mark, que diz algo como, diabos, agora eu preciso ir lá e lidar com essa plateia enlouquecida. Parece que os seguranças conseguiram conter o maluco e jogá-lo para fora, mas pouco tempo depois ele entra de volta com um estrondo pela porta da frente e corre, dando um grito enlouquecido, na direção do palco, os seguranças o atacam e, aparentemente, o amaciam um pouco, mas eu não vejo essa parte. Eu não fiquei para o show do Mark Stewart, já estava bem tarde.

De qualquer forma, nós encontramos o maluco no dia seguinte, ele tem várias marcas no corpo, mas nada sério, mais tarde ele vem a criar uma notável organização de protesto alternativo sócio político.

Ainda no campo caote, o Psychic TV surge em 1981 como um grupo de “música e vídeo”, totalmente experimental e que reuniu como público punks e amantes da música eletrônica, mais especificamente do acid house. A grande mente que escrevia e compunha era Genesis P-Orridge, futuro fundador do Thee Temple ov Psychick Youth, grupo de artistas das mais variadas vertentes que praticavam Magia do Caos. O Psychic TV se destacou por entregar performances ao vivo dignas de uma viagem lisérgica sem a necessidade de uso de substâncias para tal (se o público o fazia, era apenas por um mero detalhe):

Heilung – pagan revival?

Heilung (uma palavra alemã que significa “cura”) é uma banda composta por membros da Dinamarca, Noruega e Alemanha. Sua música é baseada em textos e inscrições rúnicas de povos germânicos da Idade do Bronze, Idade do Ferro e Era Viking. A banda descreve sua música como “história ampliada do início do norte medieval da Europa” e fala geralmente sobre divindades nórdicas.

“Cerimônia, ritual e espiritualidade são os principais componentes da experiência de ver Heilung ao vivo. Antes que a primeira onda de artistas subisse ao palco, uma única pessoa pareceu abençoar ou limpar o espaço com sálvia branca e perfumada. Fios de fumaça combinados com o local particularmente úmido, com a multidão esgotada já suando – inclusive eu.”
Geoffrey Smith para a Cvlt Nation

vocalista Uwe Faust
Foto por Geoffrey Smith II

Segundo Kai Uwe Faust, vocalista fundador da banda, o nome “Heilung” diz muito sobre seu estilo: “O público deve ficar à vontade e em um estado relaxado após uma jornada musical mágica, que por vezes pode ser turbulenta.” Tanto as roupas quanto os instrumentos remetem ao “tradicional” da época que retratam: o uso de chifres, pinturas corporais e escudos, ossos e cinzas humanas. Tudo isso contribui para a “veracidade” do ritual musicado que está acontecendo na frente do público.

banda Heilung
Foto por Geoffrey Smith II

“Pelo o que me lembro, o restante da performance é um turbilhão, diminuindo e fluindo, com a energia feminina e masculina entrando e saindo de foco, arte performática, bateria, canto, canto e uma grande variedade de instrumentos tão tradicionais sendo usados ​​para levar o público a uma jornada emocionalmente e tonalmente variada.” Geoffrey Smith para a Cvlt Nation

Você pode ver um show completo da banda aqui:

Batushka – afronte eclesiástico

“À medida que o aroma do incenso e das velas tomava o ar, a banda criou uma atmosfera emocionante e cativante que prendeu a atenção do público. Manter essa atmosfera através de um coro gregoriano, que adicionou melodia através de cânticos orquestrais e instrumentos de percussão suaves, apoiados em seus riffs caóticos, a performance ritualística de Batushka foi hipnotizante, para dizer o mínimo.”

James Weaver para Distorted Sound

 

banda Batushka
Foto por Sabrina Ramdoyal Photography

Batushka é uma banda polonesa de Black Metal cujas músicas e letras são escritas na língua eslava eclesiástica antiga e são inspiradas nas Igrejas Ortodoxas do Leste Europeu. Os membros da banda se vestem de maneira a preservar suas identidades. A banda foi formada pelo multi-instrumentista Krzysztof Drabikowski em seu estúdio caseiro, quando teve a ideia de misturar Black Metal e Música Litúrgica Tradicional. Como essa ideia apareceu? Após ler um comentário em um vídeo de música litúrgica que dizia: “estes hinos litúrgicos são mais pesados do que qualquer Black Metal satânico por aí!”

banda Batushka
Foto por Sabrina Ramdoyal Photography

Você pode ver um show completo do Batushka aqui:

E então? São shows, exclusivamente performances ou há a existência de algum trabalho mágicko ocorrendo? O público assiste ou participa desse ritual? Como você se sentiria assistindo a um concerto desse tipo?