Muitos apontariam a velha figura da bruxa voando em sua vassoura como clichê e até infame. Apesar da “licença poética” sob a qual inúmeras versões foram retratadas na literatura, no cinema, no teatro e até nas festas de Halloween, as bruxas sim voavam em vassouras. Mas não do jeito que você está pensando.
O primeiro registro da bruxa e sua vassoura
Data do século XV a primeira representação pictórica da bruxa voando em sua vassoura – e não se trata apenas de uma, e sim duas! Elas aparecem na parte lateral, dedicada às ilustrações, em um livro do poeta francês Martin Le Franc. O original do livro, intitulado Le Champion des Dames, narra os feitos de muitas mulheres ao longo da história, incluindo Joana D’Arc, e também ataca ferozmente a corrupção no governo, bem como o luxo hedonista da classe aristocrática (o autor se envolveu com várias ordens clericais, chegando a ser secretário do Papa Nicolau V). O manuscrito pode ser encontrado atualmente na Bibliothèque nationale de France.
Bruxas entre mulheres importantes da história?
Na realidade, não foi bem assim. Bruscamente, o relato sobre mulheres tão virtuosas aos olhos do autor é interrompido por uma discussão sobre bruxaria. Nela, duas mulheres ali retratadas são acusadas de serem Valdenses. Os Valdenses eram uma denominação cristã ascética que surgiu na Idade Média e, apesar de ser considerada herética, existe até o dia de hoje. As vestes se assemelhariam realmente àquelas adotadas pelas mulheres dessa denominação, sem dúvida, mas e a vassoura? Onde entraria nessa história?
Dylan Thuras, do site Atlas Obscura, conta que as vassouras eram ao mesmo tempo símbolo da domesticidade feminina e símbolo fálico, e que as bruxas se utilizariam desse símbolo inicialmente “inocente” para cometerem heresias. Em 1456 aparece citado pela primeira vez na literatura o unguento de voo, que seria uma receita entregue às bruxas pelo próprio Diabo, para que pudessem voar e chegar ao Sabá com mais rapidez.
A vassoura e o unguento: uma receita de (censurado) sucesso
Com a ajuda da vassoura besuntada de unguento de voo, a viagem estava garantida. Feito com os alucinógenos mais usados na época, como os esporões-de-centeio e a atropa beladona, o unguento deveria ser aplicado em mucosas – daí o importante papel da vassoura. Essas substâncias não podem ser, de forma alguma, usadas nas mucosas da boca ou nariz.
Muitas mulheres ditas bruxas confessaram que utilizaram o unguento e a vassoura para chegar mais perto do Diabo. Dado às confissões extraídas por meio de tortura, as mais fantásticas histórias foram ligadas às mulheres – e também às suas vassouras. Esse conjunto uso de drogas, sexualidade feminina e caminhos religiosos heréticos continha os ingredientes ideais para explodir a bomba que a Igreja sempre desejou: a que limitava a liberdade dos cidadãos.