As Bruxas de Salem

O Legado das Bruxas de Salem

Outubro ainda é o mês muito ligado à figura da bruxa (ainda que com chapéus pontudos, grandes narizes com verrugas e vassouras voadoras). Para além das discussões dos porquês, o nosso blog também mostrará retratos dessa nova bruxa, como ela se comporta nesse novo mundo, e também seus julgamentos – em sua maioria errôneos – atribuídos a mulheres e encaixados em uma figura previamente recortada do que seria uma “bruxa real”. Em muitas vezes, o termo é usado como sinônimo de malefica, aquela que traz o mal para dentro de grupo ou comunidade. Entre tantos casos desses julgamentos deturpados, está aquele que pode ser o mais famoso de todos: o das Bruxas de Salem.

Segue a tradução de uma reportagem publicada no Boston Globe que discute, além dos julgamentos de (im)prováveis bruxas, o que está acontecendo agora com os seus descendentes: quais os seus papéis nessa comunidade, suas posições perante o acontecido e o que tem sido feito para fazer jus à imagem dessas pessoas, vítimas talvez de pura e simples histeria.


Os descendentes das “bruxas” de Salem estão entre nós

(Linda Greenstein – Correspondente do Boston Globe)

O legado dos julgamentos de Salem é complicado.

Durante o mês de outubro, turistas de todo o mundo vão à cidade de North Shore para celebrar a ideia contemporânea de Bruxaria ligada ao Halloween. Outros, como o autor, historiador, e professor reitor interino da Universidade de Salem, Emerson “Tad” Baker, se concentram em como os julgamentos de 1692, lidando com vidas e famílias inocentes, foram feitos de forma tão apressada.

“Salem sofre de amnésia histórica. Tem uma tendência a desviar o olhar de seu passado trágico”, diz Baker, integrante de uma equipe de estudiosos que, em 2016, confirmou o local onde as bruxas acusadas foram executadas. “Gallows Hill (numa tradução livre, Colina dos Enforcados) é um lugar de tristeza indizível. Nosso trabalho era garantir que ninguém esquecesse as vítimas”.

Vinte mulheres e homens foram executados após os julgamentos – 19 foram enforcados, um homem foi esmagado até a morte – e outros cinco morreram na prisão.

“O local das execuções é uma ótima conexão com o passado”, segundo Marilynne Roach, autora e estudiosa de Watertown também integrante do projeto Gallows Hill. “Lembrar é um processo doloroso”.

“O legado do que aconteceu aqui cruza a imaginação e a consciência de nossa comunidade, nosso estado democrático e até mesmo nosso país”, relata a prefeita de Salem, Kimberley Driscoll. “É um legado que fala da necessidade do estado de direito e da imparcialidade do judiciário”.

O legado humano dos julgamentos de bruxas é igualmente importante. A genealogia e a descoberta de ascendência através de exames de DNA são populares, e muitas pessoas ficam surpresas ao encontrar uma conexão familiar com os julgamentos e pessoas que foram julgadas.

“Eu vivi em Salem a vida toda”, diz John Keenan, presidente da Salem State University. “Quando criança, minha família nunca falou sobre nossa conexão com os julgamentos de bruxas. Quando eu era pequeno, encontrei informações no sótão da minha avó que mostravam que descendíamos da Rebecca Nurse, uma das mulheres executadas. Naquela época, isso não era grande coisa na minha família ou em Salem. Salem era uma cidade manufatureira. Hoje, com foco no turismo, há muito mais interesse em ser descendente”.

Ter uma conexão familiar com os julgamentos de bruxas não é incomum.

“Se você pegar todas as pessoas associadas ao julgamento – acusados, juízes, testemunhas, jurados, oficiais de justiça – e multiplicar isso por nove ou dez gerações, você tem como resultado cerca de um milhão de pessoas em todo o mundo que têm uma conexão familiar”, segundo Baker. “Se você não é um descendente, provavelmente conhece alguém que é.”

A carreira de Keenan como promotor assistente, legislador e presidente de faculdade se concentrou na justiça social. Ele admite ser influenciado por sua conexão com Rebecca Nurse. Sua biografia da Salem State University afirma: “Essa tragédia molda seu compromisso com a justiça social e os direitos humanos”.

Christopher Child, genealogista sênior da Sociedade Histórica de Genealogia de New England, em Boston, também encontrou em sua família raízes de Rebecca Nurse, que vieram através de seu irmão.

“Eu sempre gostei do quebra-cabeça da genealogia”, revela Child. “Ouvimos muitas lendas da família sobre conexões com eventos históricos importantes. Às vezes, estamos ajudando alguém que procura uma conexão com um evento diferente e essas pessoas ficam surpresas ao descobrir que seus ancestrais estavam conectados aos julgamentos das bruxas”.

A Internet possibilitou a construção de comunidades de pessoas com linhagem direta dos julgamentos de bruxas e há encontros em que eles compartilham sua história e conexões.

A estreia de uma nova peça, “Saltonstall’s Trial” (O Julgamento de Saltonstall) no Larcom Theatre em Beverly, a poucos minutos de Gallows Hill, tornou-se um ímã para estudiosos, descendentes e amantes de teatro. Serão 10 apresentações de 17 a 27 de outubro.

A peça se concentra na história real do juiz Nathaniel Saltonstall, de Haverhill, que questionou a imparcialidade dos julgamentos. Saltonstall, como seus colegas da época, acreditava em bruxaria, mas questionou o devido processo e a dependência de evidências espectrais. Como resultado de sua busca pela verdade, ele foi julgado e sua família colocada em perigo.

Keenan e Child planejam assistir à peça, e Baker será um orador convidado após a apresentação no dia 18 de outubro às 19h30. No domingo, 20 de outubro, haverá uma apresentação especial de descendentes às 14h30, seguida de uma conversa pós-show com Roach e Rachel Christ, diretora de educação do Museu da Bruxa de Salem.

Baker está particularmente entusiasmado com a nova peça, não por causa do passado, mas por causa do clima social atual nos Estados Unidos.

“Não é por acaso que vemos ‘caça às bruxas’ nas notícias de hoje”, disse Baker. “Eu li o roteiro e vejo relevância moderna na peça para os problemas em nossas mentes hoje.”


Leitores mais desavisados podem passar por essa reportagem e nada se questionar, mas aqueles mais atentos podem gerar uma série de perguntas em suas mentes perante tais informações. Teriam sido aquelas mulheres e homens realmente bruxos e bruxas em seu cerne, praticando magia e cultuando a natureza? Moldariam eles realmente suas realidades e estariam mesmo como outsiders numa cultura tão latentemente cristã? Seriam os descendentes de Salem detentores do famigerado sangue bruxo, e por esse motivo estariam revivendo todas as histórias de seus antepassados com o objetivo de exaltar suas personas e fazer justiça às suas imagens? Ou buscariam a justiça justamente para enterrar de vez seus antepassados como pessoas comuns?

Mais informações sobre a questão do sangue bruxo – e se uma bruxa se faz através de uma iniciação, ou se já nasce uma – você pode encontrar no livro A Arte dos Indomados, de Nicholaj de Mattos Frisvold.

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