Texto por Isabella Giordano
Uthark: O lado nortuno das runas, de Thomas Karlsson, é um livro baseado no uso das runas em tempos modernos. Em sua introdução, o autor comenta que a busca espiritual é muito associada às esferas celestes e sua simbologia de iluminação, mas que nas tradições pagãs mais antigas, o divino também é associado ao submundo noturno. Para o autor, as runas consistem em uma forma externa clara e uma dimensão interna escura. É quase como se as runas emulassem um eclipse. Ao desenhar esse livro, todos esses conceitos foram colocados em prova, pois pretendíamos que essa simbologia perpassasse por todo ele como objeto. Dessa forma, a textura do texto original, que era homogênea e corrida, é cortada com pesos de negrito e espaçamentos largos; e as páginas limpas, com espaços em branco generosos, contrastam com cortinas completamente negras. Como um eclipse, o novo formato é dinâmico, cheio de fluxos e refluxos. Esse texto, assim como o de Mágicka Visual, pretende mostrar o quanto as escolhas dessa publicação partiram de motivos que vão para além de um gosto subjetivo, mas consistiram em um estudo sistemático da melhor forma de evocar um livro.
As edições importadas do Uthark seguem tamanhos de livros normais (mais ou menos 14 x 21,5 cm), e seu conteúdo se espalha por poucas páginas. Tendo em mãos um livro curto, a Penumbra Livros decidiu somar um novo formato aos padrões produzidos, lançando o seu primeiro pocket.
Explorar um formato novo traz desafios, visto que é inviável apenas reproduzir o que era feito em dimensões maiores em uma nova proporção. Cada página traz suas próprias exigências, e fazer um objeto confortável demandava um novo design.
Existem diversas possibilidades de tamanhos pocket, e alguns deles foram disponibilizados na página do Facebook da Penumbra Livros para que os próprios leitores opinassem sobre o padrão a ser utilizado. O tamanho escolhido foi o 11,5 x 18 cm, que possui proporções equivalentes a 2:3. O livro com proporções 2:3 é estreito e coincide com um dos formatos favoritos da Idade Média europeia que ainda se encontram em uso.
Livros são projetados há milhares de anos e as proporções mais recorrentes são aquelas que se conectam com figuras geométricas proeminentes na natureza como moléculas, cristais de gelo, flores e teias de aranha. Essas proporções são definidas pela sequência numérica conhecida como Fibonacci, que aparece inclusive nos intervalos musicais (na Europa, a utilização de páginas que incorporam escalas musicais é corriqueira há mais de mil anos). A proporção 2:3 equivale ao ciclo de quinta, considerado um dos intervalos mais harmoniosos na própria teoria musical. O intervalo de quinta consegue ser encaixado como base de qualquer composição, de forma que se se adapta perfeitamente como base do ritmo de um texto.
Comunicando-se com o formato da página, a mancha de texto não pode apenas reproduzi-la, mas deve formar uma geometria polifônica com ela. Uma composição pode tanto atrair quanto afastar o leitor, e para chegarmos a uma textura perfeita, traçamos o layout a partir da seção áurea (também consequente da sequência de Fibonacci):
A sessão áurea nos permite chegar a uma relação simétrica de partes assimétricas, a partir do desenho de um pentagrama.
Uma leitura rápida dos originais de Uthark mostra que esse é um livro cheio de listas, tabelas, esquemas e etc., que não são facilmente identificáveis no folhear, pois a maior parte delas está em formato de texto corrido. O fato deste ser um livro curto nos permitiu explorar todas essas potências de didáticas. Uma nova organização da informação foi capaz de dobrar o número de páginas. Após diversos estudos, os espaços em branco foram aplicados de forma a delimitar todos esses elementos em identidades próprias:
Em relação ao formato padrão da Penumbra Livros, os fólios (número de página + cabeços) foram transferidos para o pé de página, eliminando a linha que os separava do texto, de forma a diminuir a quantidade de informações e proporcionar uma leitura mais concentrada.
A proposta desse novo design é que o leitor seja capaz de navegar pelo livro de forma intuitiva, se localizando em rápidas tacadas de olho, sem precisar utilizar os dedos alisando as linhas para entender onde determinada informação começa e termina. A experiência comum de leitura se dá pela troca com o texto, mas a Penumbra Livros propõe que o livro se comunique como um todo. Para além do texto, o objeto em si estabelece uma conversa aberta e clara.
Após o lançamento de Mágicka Visual, contamos com mais um material que estimula aprendizagem e prazer estético, em uma diagramação que se pretende tão transparente quanto o seu conteúdo. Acreditamos que nem todos os segredos precisam ser sussurrados. E, como uma runa, este livro tem uma apresentação clara para um conteúdo profundo e imersivo. Seguindo o caminho de Odin, se com Mágicka Visual aprendemos como transformar uma semente, aqui aprendemos a como estar na árvore.
Isabella é designer, trabalha com editorial e acredita que os pequenos espaços entre palavras podem conter magia.