O Livro da Lei, ou Liber AL vel Legis, é a pedra angular de Thelema. Ele já foi publicado em diversas línguas. Dada a sua importância, também foi estudado e comentando por muitos ocultistas e teólogos famosos. Tecnicamente, o livro foi escrito por Aleister Crowley, ainda que tenha sido ditado por Aiwass, porta-voz do Deus Hórus.
Crowley chegou inclusive a descrever, em The Equinox of the Gods (O Equinócio dos Deuses), como seria a voz de Aiwass:
[…] de um timbre profundo, musical e expressivo, com tons solenes, voluptuosos e tenros, flamejante e despida de tudo que não fosse o conteúdo da mensagem. Não um baixo, talvez um rico tenor ou barítono.
O fato é que este livro começou a ser interpretado de diversas maneiras, dando margem para absurdos indescritíveis. Eis, então, que o próprio livro ganhou uma advertência final, proibindo o seu estudo.
O estudo deste Livro é proibido. É Sábio destruir este exemplar após a primeira leitura.
Todo aquele que desconsidera isto, o faz pelo seu próprio risco e perigo. Estes são muito terríveis.
Aqueles que discutirem o conteúdo deste Livro serão evitados por todos, como focos de pestilência.
Todas as questões a respeito da Lei serão decididas apenas por apelo aos meus escritos, cada um por si mesmo.
O Livro Da Lei
A advertência não foi levada a sério
Ainda que Crowley tenha sido bastante específico proibindo o estudo do livro e se definindo como “O Sacerdote dos Príncipes”, portanto a única autoridade sobre o assunto, a verdade é que ninguém ligou muito para isso. Ao contrário, a proibição parece ter instigado ainda mais o compartilhamento, funcionando como uma espécie de gatilho reverso.
Basicamente a psicologia reversa depende de uma reação ruim ao ato de ser persuadido, ou seja, só funciona em uma pessoa que não lida bem com a persuasão. Assim, ao pedirem que a pessoa faça algo, ela escolhe a opção contrária como um modo de defesa a essa condição.
Essa resistência em lidar com a persuasão é um fenômeno psicológico chamado reatância e a psicologia reversa depende desse fenômeno para ser efetiva. Aliás, a reatância leva esse nome porque na eletrônica ela é uma oposição natural de indutores ou capacitores à variação de corrente elétrica.
Mas Crowley foi além deste gatilho, colocando duas tarefas numa só. Por um lado, ele diz: “o estudo deste livro é proibido”. Por outro, repete: “faze o que tu queres”. Mesmo que este querer tenha um profundo significado tanto simbólico quanto espiritual, a frase reverbera na mente do sujeito comum. Logo, ele compreende que mesmo que o estudo seja proibido, ele pode estudar este Livro, já que a lei maior de Thelema é justamente o tal “faze o que tu queres.”
Desta forma, Crowley conseguiu um efeito duplo: instigar seu leitor ao tornar o livro deliciosamente proibido, colocando seus próprios “fãs” como seres à margem, colocar este livro proibido como centro de uma filosofia, incentivar que de fato as pessoas continuem estudando seus textos através da psicologia reversa.
Crowley: o gênio da Magia Narrativa
É bem verdade que Crowley tenha conseguido algo extremamente raro para escritores, artistas e ocultistas no geral: criar uma obra sólida, ser adorado ainda vida por ela e fazer com que ela sobreviva após a sua morte, usando o que hoje conhecemos como Magia Narrativa. Hoje temos festas que celebram o nascimento do Livro da Lei, pessoas do mundo inteiro se encontrando com um objetivo comum.
Em vida, Crowley conseguiu estabelecer sua própria Narrativa, ou seja, ele criou toda uma mitologia ao redor de si mesmo, sendo ela propagada pelos seus discípulos, amigos e amantes. Através de um magnetismo incomparável: é dito que ele poderia ter qualquer pessoas aos seus pés, ainda que oferecesse a elas a liberdade extrema contida na sua mais famosa frase.
De fato, ele entendia muito bem como a mente humana funcionava, ainda que não dispusesse do entendimento da psicologia contemporânea. Naturalmente ele criava sua realidade, alimentando sua literatura, sua mitologia, como foco de propagar seu conhecimento.
Curiosidade
Aqui no Brasil temos um grupo chamado de Foco de Pestilência, que se trata de um podcast sobre “magia, iluminismo científico e outras esoterices”. Considerando a relação do grupo com Thelema, não fica difícil advinhar de onde tiraram o nome.
Inclusive sugerimos que evitem este grupo com todas as suas forças, tal como descreve a advertência do Livro sagrado Mas sabe como é: faça o que quiser, há de ser o todo da Lei.
*Este artigo foi inspirado numa pergunta que lançaram no grupo Magia do Caos.