Palo Mayombe é solidão. É a solidão de um nascimento único rumo ao infinito e ao abraço da kalunga, nfinfa, npemba e Nzambi. E é com a fria irmã da Kalunga que a jornada normalmente começa, no abraço gelado de Mama Chola que tenta e tempera o futuro Tata. Em sua manifestação mais crua e direta, ela é o gelo noturno, e penentrará seus ossos e exigirá coragem. Este não é um encontro com as águas curadoras, mas as águas que constroem coragem, as águas que lhe capacitam a receber o fogo, as águas da amargura e vingança.
Nicholaj de Mattos Frisvold
Qual é o jardim que receberá seu sangue e seus ossos? Se você respondeu o cemitério, então você está prestando atenção.
A citação que abre este artigo define bem a imagem central do livro e é a que mais pessoalmente me tocou. Mesmo conhecendo muito pouco a respeito de religiões de matriz africana, especialmente Palo Mayombe que não é tão presente no Brasil, consegui me identificar totalmente com a energia passada em cada linha, o que foi uma surpresa bastante positiva.
Sem nenhum falso moralismo, sem nenhuma pretenção new age ou de “positividade”, o livro revela as nuances de uma sociedade sofrida, porém extremamente vivida, corajosa e ímpar, que não se acorvada perante os percalços diários, nem tampouco perante invasores cristãos, o que inclusive lhe deu o status de primitiva e perigosa.
Entender as raízes do Palo Mayombe, sua rica cosmologia, é compreender a importância de seu efeito em cadeia na mente dos praticantes. Frisvold constrói um mapa profundo e detalhado, muito bem pensado e enraizado a respeito de uma prática bastante peculiar.
Começando pela história, sempre acompanhada de mapas geográficos e ilustrações. A narrativa é real e ao mesmo tempo simbólica, beirando o poético, e carregada de informações.
Para instigar empatia no leitor, Frisvold faz comparações precisas com outros sistemas e religiões, o que nos aproxima de realidades mais presentes na nossa cultura. Foi chocante perceber as semelhanças da cosmologia Mayombe com a grega, por exemplo.
Neste ponto, a passagem de Ressurretionem Mortuorum, e que o autor trata a respeito da arte de ressucitar os mortos, foi uma parte que me exerceu profunda curiosidade, chegando a citar Hécate, Hades, Perséfone como exemplos. Rituais são citados, papiros gregos e exemplos bizantinos também foram colocados, o que adere um caráter universal ao livro.
A Arcana Mortis, o fundamento e segredos, a origem das prendas e seus mistérios, bem como uma série de ilustrações das firmas de cada , exemplos de rituais e mambos, espécie de canções para cada entidade e ocasião, bem como um herbário bem detalhado de usos de ervas: eis um pouco do que você encontra neste livro.
Pactos, limpezas, oráculos, feitiços. Tudo e isso e muito mais está devidamente detalhado, de modo que até mesmo uma iniciante como eu conseguiria realizar o básico desta intensa prática. Isto sem contar com a qualidade Penumbra do livro, que sempre muito me orgulha.
Quando vi a capa do livro pela primeira vez, eu me apaixonei de cara. Tudo bem que a capa não faz um livro, porém, preciso confessar que tenho muita satisfação em guardar pequenos tesouros literários. Sou suspeita para falar, porém este é um deles.