Por Bruno de Macedo Inácio
Hoje terminei minha leitura de Palo Mayombe – O Jardim de Sangue e Ossos, de Nicholaj de Mattos Frisvold, e tive nele uma experiência sensacional de conhecimento histórico e místico da cultura congolesa, além de uma série de “testes” no processo de aprendizagem. Por isso, resolvi separar minhas impressões em 2 partes, sendo uma como curioso e entusiasta de história e magia e outra como iniciado no Candomblé.
Primeiramente, falo como curioso. O livro traz um esclarecimento completo. Começando com as invasões europeias e o processo de apagamento da identidade do povo do Congo e seus cultos de forma cultural. Estamos acostumados a relacionar invasões como um todo com guerra e carnificina, mas esquecemos que a cultura forçada é uma das melhores armas para conversão pacífica, e o autor mostra o processo de forma muito clara. Depois temos os esclarecimentos da visão do congolês sobre o mundo e as artes mágicas. Aqui reforçamos aquela ideia de que os cultos da natureza têm muito mais em comum do que imaginamos. O mais impressionante é a forma que o autor descreve o culto, que é de uma complexidade imensa, quando se trata dos materiais para as prendas, os poderes dos nkisis e mpungos e as relações com o homem e com a sociedade, seus rituais, folhas, cantos, dizeres, etc. Pode-se dizer que boa parte do conteúdo são pinceladas em um universo gigantesco de culto com os ancestrais diretos e controle/manipulação das energias da natureza na visão do congolês.
Agora falo como Yawó (iniciado no culto de Oris̠a). Foi muito difícil a leitura sem ver os nomes que estou acostumado, e logo no início o autor deixa bem claro que é errônea a comparação com os Oris̠as e com o culto Yorubá; afinal, havia um preconceito entre as aldeias de língua Bantu e os Yorubás no passado, também esclarecido pelo autor. Mesmo assim, vi nele muitos elementos que não me são estranhos, como os poderes dos mpungos e os pontos naturais, Nzambi e o criativo primordial, o fogo da vida atiçado por Nsasi, e tantos outros elementos que só me fizeram ver o quanto as aldeias do Congo, Angola, Nigéria, Benin e tantos outros países eram muito mais unidas do que a nossa visão limitada folclórica de adepto das religiões de matrizes africanas no novo mundo pode conceber. E tudo isso é entregue de forma muito simples e clara em Palo Mayombe, derrubando nossa visão de um “culto sinistro de Egun” para uma forma clara e direta de cultuar o ancestral congolês. Meu Babalorixá ensina a mim e a meus irmãos que o Candomblé “é uma religião de lógica” e não tem motivo para folclore ou mistérios exacerbados sendo que Oris̠a/a natureza já existe e mesmo longe da África mantemos a mesma raiz negra. Este ponto é reforçado e trabalhado em Palo Mayombe, da mesma forma como aprendo no Ilê As̠é, o que tornou a minha leitura muito mais dinâmica e leve.
Neste livro eu trabalhei minha humildade, meus conhecimentos práticos como Le̠ssi Oris̠a, minha visão histórica, e aumentei meu repertório sobre o advento africano no novo mundo. Não recomendo este livro a todos que são do santo, pois é preciso um bom tempo de reflexão sobre a natureza e seus atributos mágicos e uma mente muito aberta para entender que Palo Mayombe não se trata da nação Angola de Candomblé do Brasil (apesar dos nomes usados em ambas serem muito parecidos, devido à herança linguística Bantu), e é de extrema necessidade que se esteja livre de preconceitos, bem como entender que não existe certo ou errado quando cultuamos nossa ancestralidade.
Bruno de Macedo Inácio tem 25 anos e é filho de Xangô do Ilê Asé Omò Elejigbò Osalá Fun Alá. Estudante de Publicidade, jogador de Magic e produtor do Canal Na Chapa no YouTube.
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