Como é ser branco em uma religião afro-brasileira?

Como é ser branco em uma religião afro-brasileira?

Texto por Fernando Rocha

Pode parecer estranho falar sobre ser branco em uma sociedade feita para brancos. Mas é aí que está a magia do processo. Fomos todos criados em um meio de ideais machistas, preconceituosos, capitalistas e, acima de tudo, individualistas. Como alguém criado assim pode pertencer a qualquer religião que seja, ainda mais a uma afro-brasileira? Mais do que pertencer, como é possível dominá-la, criar dogmas e exercer controle sobre eles?

Em contraste com a sociedade em que vivemos no nosso cotidiano, as religiões afro-brasileiras têm características típicas de sociedades centradas na comunidade. Nessas sociedades, tudo acontece na troca, na dança, no gesto, na música. Em outras palavras, não há religião sem a magia. Nessa cosmovisão, as duas são interdependentes e convivem harmonicamente. Não são categorias, escritas a ferro e fogo em um livro, seja ele sagrado ou não. Também não são inferiores nem superiores, como nós, colonizadores brancos eurocêntricos, gostamos de categorizar, colocando “os menores” em seu devido lugar.

Como foi, então, que eu me encontrei nesse mundo mágico?

Tudo acontece quando tem que acontecer. Parece simples e até mesmo obvio, mas é assim que descobrimos uma comunidade que nos abraça e nos acarinha. Temos os mitos e os ritos, que aprendemos cantando e dançando juntos, como um só. E é nesse ambiente que descobrimos a estrutura de uma nova religião, que nos tira das correntes pesadas do nosso mundo “real” e simplesmente nos transporta para a magia. Lá tudo começa, pois acreditamos que somos personagens, que temos nossos heróis, e até que podemos curar com nossa magia. Ai, que lindo é esse lugar, com batuque e charutos, com odores tão nossos.

A magia desse lugar é para mim, branco, ou para você, sem cor definida? De que importa? O que importa é o fato de que a magia está lá; e, como as coisas boas da vida, ela não tem cor, gênero ou nação. Ela é… Algo que transporta, que move. E você finalmente pode dizer: sou uma comunidade do amor para equilibrar o todo.

Mas deixe-me voltar à pergunta que deu origem a este texto: o que é o homem branco, no caso eu, em uma religião mágica como a afro-brasileira? A resposta é fácil. Simplesmente sou a magia da Umbanda, ou do Candomblé, ou de qualquer outro nome de religião que quiser me dar.

Quando você realmente descobre que a magia está em você, quando você entra na ambiência de um terreiro, de um centro, ou de qualquer outro lugar mágico-religioso, você começa a ir embora desse local, voltando para sua jornada de homem branco, que gosta de uma macumba, e vive a magia, sem cor, no mundo que precisa ser colorido por sua magia, que é o seu dia-a-dia.

Volta banindo o mal que existe em você, e se protege com as armas de Jorge, ama com a sabedoria de um Exu e, acima de tudo, vive a magia e sua própria vontade, fica saudável e conectado com a Natureza, a pátria mãe gentil, que carinhosamente chamamos de Jurema.

Com cantos, evocamos nossos demônios, nos armamos e criamos a estrada mágica que trilhamos e vamos continuar a trilhar até voltamos ao suspiro inicial da magia.

Para mim, isso é ser branco, bem pretinho na mágica religiosidade brasileira.

Axé!

Fernando Rocha é estudante de Ciências da Religião pela PUC/SP. Tem 46 anos, é casado e tem um filho. Trabalha com edição de vídeos e implantação de sistemas. Você pode segui-lo no Facebook, Twitter e Instagram.

Como é ser branco em uma religião afro-brasileira?