O carnaval é essencialmente uma festa pagã, como bem já apontou o nosso velhinho Frater Optimus. Ainda que muitos se esqueçam disso, as letras dos enredos dos sambas, os carros alegóricos e as fantasias foram especialmente pagãs em 2018. Sem tais elementos, as festividades tradicionais se tornaria literalmente uma esquete do Porta dos Fundos:
Deusas africanas na sapucaí
Um dos grandes destaques pagãos deste carnaval foi a Salgueiro e a representatividade da cultura africana com deuses egípcios. O curioso é que a imprensa está divulgando Osíris como uma deusa, não um deus. Talvez na pressa de escrever sobre uma matéria fresca. De qualquer forma, deuses como Osíris (vida no além), Ísis (maternidade e magia), Neith (guerra e da caça), Hator (amor, beleza e maternidade) foram louvados com muita alegria.
Não apenas os carros alegóricos e as alas destacaram tais deuses, como o samba-enredo da escola se focou principalmente em Deusas, Mulheridade e Feitiçaria africana:
SAMBA-ENREDO DO SALGUEIRO:
Senhoras do ventre do mundo inteiro
A luz no caminho do meu Salgueiro
A me guiar… Vermelha inspiração
Faz misturar ao branco nesse chão
Na força do seu ritual sagrado
Riqueza ancestral
Deusa raiz africana
Benidta ela é… E traz no axé um canto de amor
Magia pra quem tem fé
Na gira que me cricouÉ mãe é mulher a mão guardiã
Calor que afaga poder que assola
No vale do Nilo a luz da manhã
A filha de Zambi nas terras de AngolaGuerreira feiticeira general contra o invasor
A dona dos saberes confirmando seu valorEcooou no Quariterê
O sangue é malê em São SalvadorOh matriarca desse cafundó
A preta que me faz um cafuné
Ama de leite do senhor
A tia que me ensinou a comer doce na colher
A benção mãe baiana rezadeira
Em minha vida seu legado de amor
Liberdade é resistência
E à luz da conscirência
A alma não tem corFirma o tambor pra rainha do terreiro
É negritude… Salgueiro
Herança que vem de lá
Na ginga que faz esse povo sambar
É possível ver a influência das religiões de matriz africana especialmente nos termos utilizados no samba-enredo. Palavras como gira, magia, feitiçaria reforçaram a ideia de que sim, trata-se de um elemento pagão, africano e que deve ser louvado. Salgueiro levou Estandarte de Ouro de melhor escola do ano no grupo Especial.
Deuses hindus no Rio de Janeiro
Enquanto a Salgueiro exaltou a força das mulheres africanas, a Mocidade Independente de Padre Miguel, também do Grupo Especial, se focou em Deuses hindus. O samba-enredo da escola misturou diversas crenças presentes no Brasil, inclusive influências africanas e católicas. Conheça mais sobre:
Namastê… A Estrela Que Habita em Mim Saúda a Que Existe em Você
G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel (RJ)Kamadhenu derrama leite em nosso terreiro
Ganesha tem licença do Cruzeiro
Desemboca o ganges cá no Rio de Janeiro
Os filhos de Gandhi hoje são brasileiros
Brahma foi quem guiou velas de Portugal
E trouxe a Índia aos Gantois da mãe querida
Padre Miguel chamou Shiva pro carnaval
E Namastê pra todo povo da avenida
Hora de se benzer, hora de ir ao mar
Do sal à doce liberdade
Há tempo ainda!
Desobedecer pra pacificar
Como um dia fez a Índia!Theresa de Calcutá
Ó Santa Senhora, ó madre de luz
Venha para iluminar
Esse povo de Vera CruzClama o meu país
À Flor de Lótus símbolo da paz
E a vitória régia da mesma raiz
Pela tolerância entre os desiguais
Nesse Holi
Eis o triunfo do bem e da fé
Nerhu, Dom Hélder, Chico Xavier
Olhem pra Índia e pro Brasil! ôôBendita seja a Santíssima Trindade!
Em Nova Délhi ou no céu tupiniquim
Ronca na pele do tambor da eternidade
O amor da Mocidade sem início, meio e fim!
Também bastante politizado, o samba-enredo faz referência direta ao pacifismo de Gandhi.
Tuiuti: destaque na política e na liberdade religiosa
Com tanta intolerência religiosa no ano passado, foi de fato refrescante encontrar uma escola com uma forte posição política, denunciando a escravidão ainda atual da sociedade e pedindo por liberdade religiosa e equidade social.
Conheça o samba enredo:
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertaçãoIrmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arrozEu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava genteÊ Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitorAmparo do Rosário ao negro benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de corE assim quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruelMeu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro socialNão sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação