“Como matar alguém com Magia?”: por que esta pergunta não faz sentido

Guerras mágicas sempre existiram. Ignorar ataques interpessoais entre bruxos seria apenas fechar os olhos para práticas recorrentes. Para além do moralismo e até mesmo da possível autocomiseração, vamos dar uma olhada num fenômeno recorrente na Magia: o desejo de matar o colega via algum tipo de ritual.

Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba.
Hermann Hesse

O escritor alemão Hermann Hesse já foi capaz de citar uma questão recorrente da psicanálise: a projeção. Quando reprimimos um sentimento, uma característica ou uma sensação que não gostamos em nós mesmos, acabamos por atribuí-las a alguém.

Parte dos sintomas, ademais, provém da defesa primária – a saber, todas as representações delirantes caracterizadas pela desconfiança e pela suspeita e relacionadas à representação de perseguição por outrem. Na neurose obsessiva, a autoacusação inicial é recalcada pela formação do sintoma primário da defesa: a autodesconfiança. Com isso, a autoacusação é reconhecida como justificável; e, para contrabalançá-la, a conscienciosidade que o sujeito adquiriu durante seus intervalos sadios protege-o então de dar crédito às autoacusações que retornam sob a forma de representações obsessivas. Na paranoia, a autoacusação é recalcada por um processo que se pode descrever como projeção. É recalcada pela formação do sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas. Dessa maneira, o sujeito deixa de reconhecer a autoacusação; e, como que para compensar isso, fica privado de proteção contra as autoacusações que retornam em suas representações delirantes.
FREUD, S. Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. III.

Esta projeção pode nos incomodar de tal forma que acabamos tomando o outro como alvo recorrente. O problema não é sequer usar o livre-arbítrio para colocar tal pessoa em seu devido lugar, caso seja necessário, mas sim olhar para o outro com traços obsessivos a ponto de querer eliminá-lo definitivamente.

Desta forma, a pessoa se transforma numa espécie de alegria desesperada. Nossa energia é atribuída à violência que imaginamos contra ela, e essa obsessão acaba por ser retroalimentada com qualquer atitude dela que entendemos como errônea, grosseira ou odiosa.

É claro que a projeção pode ter sintomas benignos, tal como colocava Jung.
Por isto, enquanto o interesse vital, a libido, puder utilizar estas projeções como pontes agradáveis e úteis, ligando o sujeito com o mundo, tais projeções constituem facilitações positivas para a vida. Mas logo que a libido procura seguir outro caminho e, por isto, começa a regredir através das pontes projetivas de outrora, as projeções atuais atuam então com os maiores obstáculos neste caminho, opondo-se, com eficácia, a toda verdadeira libertação dos antigos objetos.
JUNG, C.G. Vida Simbólica Vol. I , Petrópolis,: Vozes 2000

Projeção na Magia

Noutras palavras, nós somos o próprio combustível que jogamos para liberar o ódio agressivo contra alguém. E esta agressividade, mesmo que não demonstrada com todas as palavras, pode ser detectada pela postura corporal ou por percepção energética.

Quando a agressividade se transforma num vício, buscamos no outro traços e evidências para alimentar este ódio. Não cabe a nós definir o quanto deste sentimento está bem fundamentado, no caso de um abuso real. Pois, na maior parte das vezes, trata-se apenas de um capricho juvenil.

É curioso notar como neófitos se apegam ao desespero e não conseguem resolver conflitos sem partir para algum tipo de violência descabida. Já dizia Isaac Asimov: A violência é o último recurso do incompetente.

Num universo já lotado de preconceitos contra bruxos, é triste perceber que nossa própria comunidade procura as vias autodestrutivas ao invés do caminho mais longo que seria simplesmente trabalhar a sombra, o conflito e a dúvida.

Esta pergunta: “como matar alguém por magia?” tampouco faz sentido, pois entendemos que não existe morte per se. Ou seja, estaríamos apenas aumentando e adiando o conflito final, que seria resolvido noutro plano, caso venha o embate.

Sabemos, entretanto, que seria impossível escapar dele, pois estamos ligados energicamente aos nossos algozes, tanto que pensamos nele e alimentamos as obsessões, tal qual já falamos. Veja bem, não se trata de ser contra maldições, inclusive que são atalhos para catarses. Porém o assassinato mágico seria impossível de se alcançar, considerando a hipótese da alma.

Mas então, consideremos por um instante que a pessoa queira de fato adiar o conflito e eliminar o outro deste plano. Esta pergunta também não faria sentido, não sem um ritual que envolvesse parnafenálias reais e assassinato de fato. E quem, em sã consciência, falaria abertamente sobre isso na Internet?

Não estaria o magista apenas alimentando ainda mais seu algoz? Ou melhor: quão incompetente uma pessoa precisa ser para querer anular a outra ao invés de lidar com o conflito?