Dolores O’Riordan, vocalista do Cranberries, morreu recentemente num hotel em Londres. As causas da morte são desconhecidas, mas especula-se que pode ter sido suicídio. “Há dois extremos na escala: você pode se sentir extremamente deprimida (…) e perder o interesse nas coisas que ama fazer, e logo se sentir supereufórica”, disse ao jornal Metro sobre o transtorno bipolar que sofria.
Em 2017, Chester Bennington, vocalista do Linkin Park, também cometeu suicídio. Todas essas mortes prematuras levantam questões muito profundas. Ainda hoje um colega meu atentou contra sua própria vida após passar a noite acordado remoendo certas questões. O suicídio é um tema que foi tratado como tabu por muito tempo, mas finalmente a mídia em geral se atentou para o assunto. Não quero, entretanto, colocar mais um viés frio e jornalístico em relação à questão, mas sim trazer um pouco da minha própria experiência.
Eu tinha cerca de 6 anos de idade. Era um dia como outro qualquer. Desci as escadas de camisola e segui vozes e gritaria. Corri até a varanda que dava para o jardim e encontrei meu tio tendo um ataque epilético. Ele estava babando e se debatia no chão. Havia muita gente ao redor, minha tia chorava copiosamente, mas ninguém fazia nada para impedir a morte dele. Eu me lembro de seus braços e do seu olhar fixo me encarando como se implorasse por ajuda. Ele havia se envenenado. Era tarde demais.
É a primeira vez que eu escrevo em público sobre o meu tio. Sempre pensei que comentar o assunto me deixaria mais fraca, pois ainda tenho pesadelos recorrentes. Trata-se de uma imagem fixa que nunca vai sair da minha memória: a sensação de completa impotência. “Por que não fazem nada?”, eu perguntei várias vezes. Eu me lembro da babá ter me pegado no colo e me levado de lá. Aquilo me consumiu por dentro.
Algumas pessoas, cientes do meu passado, já tentaram usar esta dor contra mim incentivando deliberadamente o meu suicídio nas redes sociais, nas mais diversas ocasiões. Porém, exatamente por entender a minha fragilidade em relação ao tema, que eu busquei ajuda. Transtornos mentais como a depressão são uma doença como outra qualquer e precisa de auxílio.
É importante falarmos sobre isso dentro do ocultismo, pois muita gente interpreta erroneamente os sinais da depressão, por exemplo. Espiritualistas clamam que existe um vale dos suicídios, uma espécie de inferno astral que pune os doentes que atentaram contra sua própria existência. Essa afirmação é cruel demais e nega completamente a realidade.
Enquanto ainda tratarmos magistas com depressão como fracos, desprezíveis ou obsessediados por espíritos das trevas, nunca iremos avançar nessas discussões e conseguir o tratamento adequado para tais pessoas. É a mesma coisa que continuar achando que febre é o dedo pobre do diabo sobre o indivíduo.
A verdade é que criaram a cultura da hierarquia espiritual. No topo, estão as pessoas good vibes, aquelas que só vibram positividade. São pessoas que admiram a lua apenas quando ela está cheia e a ignoram na sua face escura. São pessoas que têm pavor da solidão.
Elas vomitam arco-íris, só pensam positivo, acreditam fielmente na lei da atração a ponto de culparem as vítimas de seus problemas mais bizarros. “Foi assaltado? Culpa sua. Morreu? Culpa sua. Teve câncer? Culpa sua. Sofreu um golpe? Culpa sua.” E quando é criança? Ah, a culpa é do carma.
Essas pessoas ignoram completamente o efeito sombra, não sabem lidar com densidade espiritual. A maioria é simplesmente artificial e superficial, pronta para as câmeras e para frases de livros de auto-ajuda e palestra motivacional.
Também no topo estão os magos com super-poderes, supostamente capazes de se curar de tudo. São pessoas que parecem não ter um defeito sequer, não têm problemas emocionais, financeiros nem nada. Afinal, respirar e demonstrar qualquer problema seria como admitir a própria culpa.
Mas curioso é pensar que todos estamos aqui, em carne e osso, vivendo no planeta Terra, mais precisamente no Brasil. Todos recebemos as mesmas notícias, as mesmas tragédias. Todos temos que lidar com o jeitinho brasileiro, os corruptos, a violência e a crise. Tudo está conectado. Mas a suposta “elite espiritual” acredita realmente que é especial e inatingível.
A verdade é que livros de auto-ajuda não curam depressão. Palestra motivacional não cura depressão. Positividade não diminui o número alarmante de suicídio. Fingir que tudo está bem e cor-de-rosa é sinal de fraqueza.
Pessoas estão deixando de lado as suas práticas porque descobrem que não são perfeitas. Não conseguem manter um cronograma espiritual maravilhoso. Percebem que estão fragilizadas e suscetíveis à própria humanidade. Sim, você é bruxo. Mas você também é humano. Sim, você erra. Você se cansa. Você está num corpo que precisa de condições muito específicas para produzir. Tudo nos afeta: desde a variação de temperatura até a nossa fome. Somos humanos.
Está tudo bem. Sério. Quebrar é oportunidade para se reconstruir. Não é vergonha alguma ser humano. Não é vergonha alguma falhar. Faz parte da nossa sombra. Você não precisa se submeter às expectativas alheias que são irreais. Há um senso comum erradíssimo sobre energia negativa, que é uma fonte de poder primorosa.
Achar que depressão é algo puramente espiritual é a mesma coisa quando um evangélico fanático encontra um epilético e acha que o sujeito está endemoniado. É falta de informação, estudo, conhecimento básico mesmo. As pessoas julgam como se elas fossem paladinas da moralidade e vibrassem em altíssimo nível. Porém, estamos todos aqui na Terra, sujeitos às mesmíssimas questões. Isso é fruto de uma superioridade espiritual que me enoja, tudo baseado em contos de fadas. A realidade é muito mais complexa que esse maniqueísmo absurdo que nos poda diariamente.
Fico muito preocupada quando as pessoas se julgam imunes porque são religiosas ou ocultistas. Ninguém está imune a nada, nem mesmo depressão. Depressão é uma doença e pode atingir qualquer pessoa. Repito: ninguém está imune a doença alguma, por mais que se previna. Se fosse assim, ocultistas jamais precisariam usar óculos, pois se curariam de tudo.
Se você tiver sintomas de qualquer doença, procure um médico especializado. Jamais tente se curar sem antes procurar um médico. Isso é perigoso e é considerado charlatanismo. Lembre-se, sua saúde está em primeiro lugar. Nenhuma doença é motivo para vergonha. Não sejamos fanáticos bitolados. Não somos super-heróis e nem precisamos ser.
Estamos justamente em carne e osso para lidar com essas questões, incluindo doenças. Você não precisa mascarar suas dificuldades para parecer mais poderoso. Espero que tenha deixado minha posição evidente. Não estamos na idade média para ignorar a ciência e os grandes avanços das áreas de humanas, como a psicologia.
Busque ajuda sempre que precisar.
Você não precisa se desculpar por ser humano.
Cuide-se.