As Cabeças dos Santos Católicos

As Cabeças dos Santos Católicos

Já falamos por aqui duas coisas que talvez incomodem quem se recusa a enxergar fatos: que o Cristianismo é essencialmente um culto aos mortos, e que diversas tradições ao redor de todo o mundo veneram cabeças de pessoas mortas. Estes fatos talvez não sejam tão chocantes por si sós. Mas é quando unimos os dois que as coisas começam a ficar realmente estranhas.

Os menos informados podem dizer que, mesmo Jesus e os Santos estando mortos, a adoração, devoção ou veneração acontece num plano espiritual. O que se venera é a imagem idealizada de Jesus ou dos Santos, mesmo que eles tenham sido homens e mulheres que já caminharam por essa terra. Esse culto nunca se dá aos seus corpos decompostos. Certo?

Errado.

Os Templários e o Ídolo-Cabeça

Os Cavaleiros Templários eram uma ordem religiosa e militar dentro da própria Igreja Católica. Muito do que sabemos hoje sobre seus costumes e práticas religiosas veio de uma série de julgamentos conduzidos quando a Igreja decidiu que eles não eram mais interessantes. Os julgamentos do século XIV, regados a tortura e coerção, como só a Igreja sabe fazer, “revelaram” a adoração dos Templários a uma cabeça misteriosa.

Os relatos certamente não refletem a realidade. Extraídos sob tortura, são contraditórios entre si. Mas a ideia de adoração a uma cabeça se repete em vários deles. Esta cabeça poderia ser a de São João Batista, de um animal, uma cabeça de prata representando uma mulher, ou até mesmo a cabeça de Jesus Cristo.

Isso foi no século XIV, e o assunto ficou esquecido por séculos. Mas no começo do século XIX, Baphomet estava na moda. Na ocasião, Baphomet encarnava a ideia de um demônio cristão. E, com a necessidade de encontrar um “rosto” (com o perdão do trocadilho) para essa entidade mítica, novos achados “arqueológicos” foram feitos. Não em uma escavação ou em uma ruína milenar, e sim em um… museu.

Hammer se baseou em material de romances do Santo Graal para sustentar seu argumento, e mencionava uma suposta descoberta, em 1818, de quatro “Baphomets”, ídolos que estavam armazenados no Museu Imperial de Viena. Segundo Hammer, essas cabeças representam a divindade dos Gnósticos, chamada Mêté (Sabedoria).

 

Julian Vayne & Nikki Wyrd, O Livro de Baphomet, p. 86

Para saber mais sobre como foi criada a figura de Baphomet que conhecemos hoje, leia O Livro de Baphomet, de Julian Vayne e Nikki Wyrd.

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A Tradição das Relíquias Cristãs

Você pode argumentar que os Templários eram adoradores do diabo, e por isso foram queimados pela Igreja. Tudo bem. Mas vamos ver o que a Igreja tem a dizer sobre relíquias. E sejamos imparciais: vamos deixar o dicionário definir o que são relíquias.

relíquia

re·lí·qui·a

sf

1 Corpo ou parte do corpo de algum santo.

2 Objeto que pertenceu a um santo ou fez parte do seu suplício.

 

Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

As relíquias sempre serviram para avivar a fé dos fiéis. Em uma religião em que os milagres dificilmente acontecem por ação direta do único Deus, é justificável buscar uma fonte terrena para milagres, curas fantásticas e concessão de graças. As relíquias foram, por séculos, os únicos atrativos turísticos da Europa. As pessoas viajavam para ver uma relíquia que supostamente operava milagres. E essas peregrinações podiam ser descritas como longas e perigosas viagens com a intenção de ver pedaços de pessoas mortas.

Você pode pensar que essa coisa de relíquias é uma aberração da era medieval. Mas não. A tradição das relíquias no cristianismo existe pelo menos desde o século II. Não é uma novidade. E nunca foi interrompida, proibida, condenada ou vista com maus olhos pela Santa Sé.

E entre as relíquias mais bizarras que existem até hoje, podemos listar algumas cabeças.

A Cabeça de São João Batista

A história de como São João Batista perdeu sua cabeça está em Marcos 6. Todo mundo que já leu o novo testamento sabe dessa história. Mas o que muita gente não sabe é que a suposta cabeça de São João Batista teria sido preservada, sendo adorada até hoje (depois de ter sido venerada pelos Templários, talvez?).

A história fica ainda mais estranha quando a própria Igreja Católica reconhece que a cabeça verdadeira está na Mesquita Umayyad, em Damasco. Sim, numa mesquita.

Mas antes disso, o paradeiro oficial da Cabeça de São João Batista mudou algumas vezes. Já se considerou que a verdadeira cabeça estava na basílica de San Silvestro in Capite, em Roma; na catedral de Amiens, na França, além de outros lugares. Hoje, o lugar oficial é a mesquita de Damasco, mas cabeças ainda existem nesses outros lugares.

Há uma implicação nessa mudança de opinião da Igreja: ou São João Batista tinha várias cabeças, ou diversos fieis devotaram (ou ainda devotam) suas venerações às cabeças de mortos comuns, que algum pilantra resolveu propagandear como a Cabeça Real Oficial.

Cabeça de São João Batista

Cabeça de São João Batista ainda em exposição da basílica de San Silvestro in Capite

A Cabeça de Santa Catarina

São João Batista, se estivesse vivo, já teria mais de 2.000 anos. Portanto, já teria morrido, mesmo que não violentamente. Ainda assim há quem acredite que sua verdadeira cabeça está sendo adorada por aí. Mas há outra cabeça famosa bem mais recente que se tornou objeto de culto na Igreja Católica – a Cabeça de Santa Catarina.

Santa Catarina viveu no século XIV, e ao contrário de São João Batista, não foi decapitada – pelo menos não em vida. Ela levou uma vida santa, como todo santo que se preze, e depois de morta, seu corpo (como seria de se esperar) entrou em decomposição. Mas não sua cabeça.  Alega-se, portanto, que foi fácil separar a cabeça do corpo sem violência. E se a cabeça resistiu à decomposição, por que não a tornar uma relíquia a ser visitada?

E é claro que isso foi feito. Desde então, sua Cabeça está em exposição em um relicário, na Basilica Cateriniana di San Domenico, na Itália.

Cabeça de Santa Catarina

Cabeça de Santa Catarina exposta em um relicário

Prendas e Ngangas

Se você leu até aqui, não tem como discordar de que a adoração a cabeças de mortos faz parte integrante da prática católica. Na verdade, não há problema algum nisso – a adoração de cabeças e seu uso como oráculos é comum em inúmeras culturas ao redor de todo o mundo.

Uma das tradições que se destaca pelo uso proeminente deste item tão macabro (ainda que comum) é o Palo Mayombe. Uma das principais ferramentas dos praticantes mais graduados desta tradição – os Tata Ngangas ou as Yaya Ngangas – é a prenda ou nganga, um caldeirão de ferro ou de terracota contendo ossos humanos, galhos de diversas árvores, entre outros itens.

Se você quiser saber mais sobre esta tradição pouco difundida, e também sobre os mortos como itens de culto em diversas culturas em todo o mundo, a referência mais completa sobre o tema é Palo Mayombe: O Jardim de Sangue e Ossos, de Nicholaj de Mattos Frisvold.

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