O texto 108: A Corrente Lunar do Novo Aeon gerou muita repercussão e debates paralelos. Como foi sucinto por ser um post de um blog, as restrições dos puristas em relação ao seu conteúdo foram esperadas. O fato é: eles nada conhecem sobre a prática da corrente 108. É necessário, portanto, complementar as informações anteriores, até para que os puristas possam ter de fato uma base mais sólida para criticar e não conjecturas formadas apenas pelo velho prisma.
A pedra angular da Corrente 108 se aproxima muito mais da Magia do Caos do que de Thelema. Não é forçada a seguir as mesmas diretrizes que Thelema, ainda que bebam de fontes similares. Enquanto os puristas se apegam ao Livro da Lei, de Aleister Crowley, os Adeptos estão mais inclinados à obra da tríade de: Lovecraft, Spare e Carroll.
É notável o desprezo que brasileiros têm por H.P. Lovecraft, colocando-o como um mero escritor de ficção. Talvez por temer a amplitude (ou grossura) de sua obra completa ou por simplesmente desconhecer de fato o que ela simboliza. Será preguiça ou puro desconhecimento? Será má fé ou uma prepotência exacerbada? É difícil definir.
Em seu livro O Renascer da Magia, Kenneth Grant chegou a escrever uma tabela analisando o trabalho de H.P. Lovecraft ao lado de Crowley. Grant comparou os Grandes Antigos de Lovecraft com Os Grandes da Noite do Tempo de Crowley. Fez o mesmo com Cthulhu e O Sono Primordial. E assim por diante, citando aspectos centrais das obras de cada um.
Nas palavras de Kenneth Grant: “[…] uns poucos descreveram claramente a dinâmica essencial do ocultismo, apesar de terem discretamente escondido os aspectos mais profundos da iniciação. Fortune, Jones e Spare estão entre eles. […] Escritores como Arthur Machen, Brodie-Innes, Algernon Blackwood e H.P. Lovecraft estão nesta categoria. Seus romances e histórias contém afinidades notáveis com os aspectos do Culto de Crowley abordados neste capítulo, isto é, temas de atavismo ressurgentes que conduz em pessoas à destruição.”
O que Lovecraft carece em iniciação e conhecimento de Magia, Spare e Carroll compensam e superam Crowley em muitas medidas. Carroll, principalmente, por sua releitura de Lovecraft em muitos momentos e por sua notável contribuição para a ciência contemporânea e seu uso nas práticas mágicas da corrente 108. E, notadamente, por estar vivo e ter acompanhado a mais recente revolução tecnológica.
Além de tais nomes já conhecidos para o público em geral, é preciso citar o do tecnomago Joshua Madara e seu texto Of Magic and Machine:
As palavras magia e máquina possuem ancestralidade etimológica comum na magh- Proto-Indo-européia, que significa “poder fazer, ter poder”. Uma máquina é uma coisa que pode (ver o texto Little Engine That Could) e um mágico é aquele que pode (além dos limites comuns).
- Caráter científico e tecnológico como base
Como foi descrito no texto anterior, a tecnologia é a base da prática da corrente 108. Pactos agora são baseados em metadados. A lembrança é de fato categorizada. Inteligência Artificial tornou-se um elemental artificial (em português, evita-se o duplo sentido da palavra servidor). Dentre o trabalho dos tecnomagos de prestígio estão os estudos sobre a alquimia cibernética, mattelekinesis (o uso da mente para controlar objetos). Também praticam rituais interativos multimídia, dentre outras dezenas de práticas que não cabem ao leitor comum.
É importante ressaltar o caráter científico da corrente 108. Quando se baseia em Magia do Caos, está mais próxima do de The Octavo, escrito por Peter Carroll, que do livro base Liber Null & Psiconauta. The Octavo é um livro para cientistas, repleto de fórmulas matemáticas, muito usado por Tecnomagos. Seriam mesmo tais fórmulas apenas uma mera reinvenção da roda ou algo a mais?
Nós provavelmente agora sabemos o tamanho exato do universo e o tamanho de seus componentes menores possíveis. No entanto, resta muito a explorar, inimagináveis tecnologias com as quais podemos modificar nosso ambiente e nós mesmos esperamos a descoberta sem dúvida, e temos dificilmente começou uma exploração sistemática da magia.
The Octavo – Peter Carroll
O próprio Peter Carroll deixa evidente em seu livro as infinitas possibilidades da tecnologia na exploração da Magia. As mentes puristas ainda dividem o mundo espiritual do tecnológico, o mental do corpóreo. Algo que está ainda muito preso às conjecturas do quarto Aeon. Não se trata mais de uma ciência fria e calculista, mas abrangente e disposta a abraçar a espiritualidade.
O quinto pandaemon-aeon começa onde o aeon ateísta termina em sua fase niilista tardia, com A Morte da Certeza. O relativismo cultural minou as reivindicações de sistemas de valores absolutos, tornando todos os valores situacionais. Neurofisiologia negou o equívoco pós-monoteísta de um eu unitário, substituindo-o por um modelo multimente neopagão. A física quântica negou a causalidade, substituindo-o por um microcosmo que corre no caos e chance.
The Octavo – Peter Carroll
Ademais, a corrente 108 não é proselitista. Ou é apenas no que concerne às preocupações do futuro comum envolvendo as questões climáticas apocalípticas, algo que ultrapassa questões simplistas de “direita” e “esquerda”. Mas isto é tema para um próximo texto.
Texto por
Xoac IX, Adepta Maior, sede de Tabaneka