Frater Optimus, o mago das antigas, despeja em sua coluna toda sua indignação com os absurdos que ele vê no mundo oculto de hoje – com seu habitual mau humor.
No texto de hoje, ele fala sobre um problema que não é atual, e que não deve acabar tão cedo: o excesso de fé das pessoas!
Era só o que me faltava. Hoje ouvi uma história difícil de engolir. Estava comendo meu pão na chapa na padaria aqui perto de casa, e dois amigos estavam conversando no balcão, do meu lado. Não que eu fique prestando atenção na conversa dos outros, mas não deu para deixar de escutar. Bem que eu queria não ter ouvido.
Resumindo, um deles estava no fundo do poço, e foi num terreiro buscar uma solução milagrosa para seus problemas. Lá, conversando com alguma entidade, ele “descobriu” que tinha sido vítima de um “trabalho”, e que para as coisas voltarem a ficar normais ele teria que praticamente virar sócio do terreiro, de tantos trabalhos que precisaria fazer por lá. Com certeza isso vai custar dinheiro – que, pelo tom da conversa, o cidadão não tem. Vai desgastar o cidadão emocionalmente. E não vai resolver nada. Ao fim de meses, ele vai estar pior do que está hoje. E vai arrumar um jeito de se culpar por tudo estar dando errado.
Eu até pensei em ajudar, em me meter no meio da conversa, em dar meus pitacos, em sacudir o sujeito pelos ombros e gritar na cara dele até ele acordar. Mas eu não conheço ele. E não tenho mais paciência para fazer filantropia. Ele só ia refutar tudo que eu dissesse – afinal de contas, quem sou eu para ele prestar atenção no que eu digo?
Por que será que, em pleno século XXI, as pessoas ainda são tão crédulas? Por que acreditam em qualquer notícia que veem por aí, em qualquer suposta entidade em qualquer terreiro suspeito, em qualquer pastor, em qualquer médium que diz que se comunicou com o espírito da vovó, em qualquer macumba malfeita? Talvez seja só burrice, simples e pura. Mas acho que não. Deve ter alguma outra coisa. Eu consigo pensar em algumas possibilidades.
Primeiro, o medo e o respeito pelo desconhecido ainda é muito relevante para a maioria das pessoas. A maioria das pessoas, frente ao desconhecido, tende a temer, respeitar e acatar, em vez de questionar e tentar compreender.
Há também o fator da autoridade. As pessoas têm o péssimo hábito de respeitar as supostas figuras de autoridade. Respeite os mais velhos, respeite o professor, respeite o chefe, respeite o Padre. Fomos todos criados assim. E não é errado respeitar as figuras de autoridade. Errado é, em muitos aspectos, o conceito de autoridade. E mais errado ainda é achar que qualquer um que alegue ter autoridade de fato a tenha.
Também levo em conta a vontade de acreditar. Se alguém surge com um conhecimento supostamente inacessível, é claro que tem que ser verdade. Mas isso é essencialmente errado. Isso pressupõe que o conhecimento é realmente inacessível, e que todo mundo é confiável, o que inclui pessoas e não-pessoas. Não só seres humanos podem ser pilantras – este mundo (e outros mundos também!) está cheio de espíritos zombeteiros, deuses enganadores, e até mesmo informação pouco coerente.
Não estou dizendo que as pessoas não são burras, nem que a culpa de acreditar em qualquer coisa não é delas. Longe de mim achar isso. A ideia é que, além da burrice, as pessoas podem ser enganadas por temerem o que não entendem, por aceitarem autoridade sem questionar, e pela satisfação de ouvirem exatamente aquilo que querem ouvir.
Imagine, por exemplo, que uma você resolve visitar uma cartomante. A cartomante usa técnicas que você não entende, mas que são seculares, milenares, não importa. Se são tão antigas, devem estar certas. O nome da cartomante é Madame Fulana. E ninguém tem um nome tão pomposo à toa, essa tal Madame deve saber o que está fazendo. Madame Fulana tira as cartas, descobre coisas impossíveis de se descobrir sobre você, e fala exatamente o que você precisava ouvir. É lógico que está tudo certo. O que poderia estar errado?
Quer outro exemplo? Você está com uma dor esquisita no peito, e vai ao médico. O médico faz um exame da rebimboca da parafuseta, um nome técnico qualquer que não vem ao caso. Nome bonito, o desse exame, não é? Deve identificar exatamente o seu problema, é claro. Na parede do consultório, você vê vários diplomas e certificados. O Doutor parece que estudou bastante. Ele tem autoridade para identificar o seu problema e sua cura. Mas depois de ver os exames, o doutor, emoldurado pelos seus diplomas, diz que seu problema é simples, e que ele pode resolver com um tratamento caríssimo que durará sua vida inteira. Mas que você vai levar uma vida praticamente normal e sem riscos. O que poderia estar errado?
Está tudo errado, seu energúmeno! Preste atenção!
A cartomante e o médico fizeram a mesma coisa com você. Te fizeram de trouxa. E você caiu, que nem um patinho.
Quer saber como não cair no conto do vigário? Eis aqui um guia simplificado:
- Deixe de ser otário. Onde não tem otário, malandro não se cria.
- Não presuma que uma coisa funciona e é verdadeira só porque você não conhece nem entende. Se não conhece, estude e passe a conhecer. Se isso for impossível, pergunte a alguém de sua confiança sobre o assunto. Isso se aplica a tudo – da cartomancia à medicina.
- Não leve autoridade tão a sério. O nome “madame” foi provavelmente escolhido pela própria cartomante. E se você visse estudantes de medicina no seu habitat natural (o bar), veria o “notório conhecimento” do doutor com outros olhos.
- Questione a origem da informação. Será que você não deu para a cartomante todas as dicas que ela precisava? Será que aquele pedaço do seu dedo anular esquerdo, meio espremido e de outra cor, não deu a dica de que você se divorciou há pouco tempo? Será que o médico não está inventando uma doença rara e escabrosa só para ganhar dinheiro em cima de você? Será que a entidade incorporada no terreiro (seja a incorporação genuína ou não!) não está só brincando com a sua credulidade?
Siga o meu guia e vai ficar tudo bem.
Mas se você prestou atenção em tudo que eu disse, você sabe que eu não tenho autoridade para dizer isso, e que você não deve acreditar em nada do que eu disse. Pelo menos não antes de pensar bastante sobre isso.
E agora, como é que fica?
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