A sua visão de mundo está fundamentada em palavras. É com palavras que você descreve tudo ao seu redor. É com palavras que você formula seus pensamentos mais complexos. E a forma que essas palavras se encadeiam – a língua – tem um impacto maior do que você imagina na formação da sua consciência. E conhecendo alguns truques simples da língua, é possível usá-la como uma poderosa ferramenta mágica para alteração dessa consciência.
O Poder do Verbo
Boa parte dos nossos pensamentos é verbal. Nossas ideias são, em sua maioria, construídas por palavras. É difícil criar conceitos complexos baseados em, por exemplo, cores, sensações, cheiros.
Um exemplo simples: ao fazer um passeio pela floresta, você pode facilmente apreciar a beleza da paisagem sem precisar de palavras. Se encontrar uma onça correndo na sua direção, talvez você até mesmo tome uma decisão (correr, subir em uma árvore, gritar, etc.) sem precisar de palavras para pensar.
Mas, sem usar palavras, você dificilmente conseguiria articular um pensamento complexo. Por exemplo, decidir racionar sua comida ou pensar em construir um abrigo para passar a noite seria muito mais complicado sem usar palavras.
Até agora estamos tratando exclusivamente de questões de sobrevivência. Mas para qualquer coisa mais complexa, de situações cotidianas a questões filosóficas e existenciais, o uso de palavras é inevitável. Além disso, as palavras são fundamentais para a construção de nossa visão de mundo, e a língua afeta a forma como formamos nossos raciocínios.
Línguas Fictícias
Temos dois exemplos na ficção que mostram como a língua pode ser usada para limitar ou para expandir a forma de ver o mundo. E o fato de serem línguas fictícias é uma extrapolação, mas não torna os exemplos menos válidos.
A Novilíngua
No clássico 1984, de George Orwell, vemos uma distopia retrofuturista na qual a sociedade é mantida em um estado de profunda alienação. Vários mecanismos contribuem para a manutenção deste status quo. Violência, repressão, monopólio dos meios de comunicação. Até aí, nada muito diferente da sociedade em que vivemos. O que faz a diferença é a novilíngua.
A novilíngua, ou newspeak é uma versão da língua inglesa com vocabulário propositalmente reduzido. A língua, por exemplo, não possui antônimos. Existem adjetivos positivos, que podem ser negados pelo uso de prefixos. Então, existe a palavra bom, mas não a palavra ruim, ou mau. Em vez disso, existe desbom, ou imbom, que carrega uma carga muito mais leve do que mau. Dessa forma, é virtualmente impossível para o cidadão que só conhece a novilíngua pensar que o governo é mau.
Há, também, todo um conjunto de palavras essencialmente contraditórias, como negrobranco. A presença constante destas palavras contraditórias no vocabulário faz os falantes da novilíngua mais susceptíveis a aceitar absurdos – fatos obviamente contraditórios no noticiário, ou até impossibilidades matemáticas.
A Língua Extraterrestre de A Chegada (sem spoilers!)
No filme A Chegada, várias naves extraterrestres chegam à terra, trazendo uma mensagem. O problema é que eles não falam nossa língua, e nós não falamos a língua deles.
A solução para este problema é mandar equipes de linguistas para estabelecer contato e tentar decifrar a linguagem misteriosa dos extraterrestres. Estes linguistas passam por um período de total imersão na língua extraterrestre.
A imersão faz com que eles comecem a pensar como os visitantes. E essa mudança de pensamento provoca uma alteração significativa na visão de mundo. Uma abertura de horizontes, que chega a ser difícil de explicar para quem não está vivendo naquele mundo de símbolos alienígenas. Revelar mais do que isso pode estragar a surpresa para quem ainda não viu o filme, mas se você viu, você sabe do que estamos falando. E se não viu, veja. Vale a pena.
Mas e no mundo real?
Para sair do blábláblá da ficção, vamos a alguns exemplos reais de como a língua modifica nossa forma de pensar e enxergar a realidade.
Pare agora e responda: para que lado está o Norte? Há uma grande chance de você não ter conseguido responder essa pergunta de imediato. Simplesmente porque orientação espacial é pouco relevante na língua portuguesa. Mas há alguns povos tribais, que não sabem nem o que é uma bússola, que sempre sabem se orientar no espaço. O motivo está em suas línguas, que não possuem conceitos de “esquerda” e “direita”, apenas os pontos cardeais.
Você prefere comprar agora uma coisa inútil, mas que te traga satisfação imediata, ou economizar o dinheiro para algo importante daqui a dez anos? Talvez você prefira gastar agora, porque dez anos demoram muito a passar. Mas falantes nativos de línguas que não conjugam verbos no futuro têm uma tendência maior a pensar que tudo acontece, sem discriminar o quando – e provavelmente economizariam o dinheiro.
A língua em que você pensa pode até mesmo mudar sua percepção de bem e mal. Um estudo mostra que poliglotas mudam de opinião sobre uma coisa ser “boa” ou “má” de acordo com a língua em que pensam durante os testes.
Há inúmeros outros exemplos – mudança na percepção visual de cores de acordo com a língua falada, ou mesmo alteração da consciência e da identidade de gênero de acordo com a língua mãe. O assunto é inesgotável e novos estudos são publicados todos os dias.
Usos mágicos de línguas
Esses exemplos da vida real de como a língua pode afetar a percepção de realidade do falante são bastante impressionantes, e mostram que a ficção não é muito exagerada ao tratar deste tema. Mas se variações linguísticas têm tanto efeito sobre nossa consciência, como elas podem ser usadas magicamente?
Esse será o assunto do próximo texto dessa série, que sairá na semana que vem. Enquanto isso, siga a gente nas redes sociais para não deixar passar!