Nosso colunista, Frater Optimus, é um dos últimos espécimes de uma espécie em processo de extinção: os magos das antigas. Ele tem uma certa dificuldade em aceitar as novas práticas, crenças e tradições, e por conta disso acaba sendo intransigente às vezes (quase sempre, na verdade). Mas vale a pena respeitar os cabelos brancos e ouvir o que ele tem a dizer.
Era só o que me faltava. Agora essa molecada está com uma mania idiota de achar que podem decidir mudar as regras do universo. E chamam isso de mudança de paradigma. Essa gente não faz a menor ideia do que está falando.
A ideia toda por trás dos paradigmas mágicos é explicar o mesmo conjunto de fenômenos de formas diferentes, e proporcionar explicações mais convenientes para cada indivíduo ou grupo. Um exemplo bem besta: Deus. Entre as religiões abraâmicas – cristianismo, judaísmo, islamismo – todo mundo aceita Deus. Cada um aceita de uma forma diferente, e se relaciona com Ele de forma diferente. Mas o resultado é o mesmo. E apesar de haver diferenças teóricas, não faz diferença nenhuma na prática.
Agora, quando alguém inventa de criar um paradigma diferentão só para aparecer – e para usar a palavra paradigma na frente dos amigos, e parecer mais inteligente – existe uma grande chance deste dito paradigma simplesmente não servir para explicar o mesmo conjunto de fenômenos.
Vamos a um exemplo esdrúxulo, para deixar bem claro. O Pastafarianismo. Se você não conhece (eu não conhecia até recentemente), o Pastafarianismo é uma dessas seitas, ou religiões, sei lá, que são obviamente uma grande palhaçada. Eles acreditam (ou fingem acreditar) que Deus é, na verdade, um monstro de espaguete voador. Até aí, tudo bem com o paradigma pastafariano: existe um ser nos céus, invisível, inalcançável, que criou o mundo e comanda os nossos destinos. Nenhuma diferença aí em relação às religiões abraâmicas.
As coisas começam a complicar quando os pastafarianos tentam explicar como funciona a gravidade. De acordo com eles, o Monstro de Espaguete Voador, que é onipresente, mantém as coisas grudadas no chão empurrando elas para baixo com seus apêndices macarrônicos. E é claro que essa explicação não reflete a realidade. (O que seria de se esperar, considerando que é uma religião idiota e claramente inventada.)
A explicação pastafariana para a gravidade contrariaria as leis da física. E a física, quando se trata de gravidade, é o paradigma vigente. Em todo o mundo, para membros de qualquer religião. Ainda no ramo dos exemplos, eu poderia criar um outro paradigma válido. Por exemplo, ao invés de grávitons, eu poderia dizer que a gravidade é consequência de ondas. Tanto faz. Os dois paradigmas são válidos. O que não é válido é dizer que existe uma porcaria de um monstro de espaguete voador que fica empurrando as coisas em direção ao chão. Isso não funciona.
A mesma coisa acontece com a magia. Se você cismar de inventar um paradigma mágico que contrarie as leis de funcionamento do universo, deixe eu te contar um segredo. Não vai funcionar. Você pode se sentir inteligente, pode achar que está abafando com seus amiguinhos ignorantes, mas a verdade é essa: não vai funcionar. Não adianta, por exemplo, achar que você pode sair voando por aí usando a força do seu pensamento. Não vai acontecer. Não adianta mudar sua forma de pensar. O universo não está nem aí para o jeito que você pensa.
Isso não quer dizer que criar paradigmas mágicos seja um exercício inútil. Não é. É um exercício intelectual bastante frutífero, e criar um paradigma que funcione para você pode diminuir a resistência do seu subconsciente quanto ao funcionamento da magia. Basicamente, pode servir para você acreditar – de verdade, não só da boca para fora – que sua magia vai funcionar. E isso pode fazer ela funcionar melhor. Mas para seu paradigma funcionar de verdade, ele não pode contrariar as leis do universo.
Chegamos então ao âmago da questão: você precisa entender as leis do universo. E não existe uma forma simples de chegar a essa compreensão. Não existe uma só verdade. Na verdade, o próprio princípio de funcionamento do universo é explicado por inúmeros paradigmas diferentes, religiosos, culturais, mágicos, científicos, etc. Você precisa pegar um que funcione – não só para você, mas que funcione de fato – e entender suas minúcias. Só então você terá condições de criar novos paradigmas funcionais. E eles não podem – repito: não podem – estar em desacordo com esses princípios básicos.
Resumindo: você pode, sim, criar seus próprios paradigmas. Mas para isso, você precisa estudar. Então, estude. Estude mais um pouco. Quando achar que entendeu, faça experiências, como um cientista. Quando o funcionamento do universo estiver claro para você e suas hipóteses estiverem comprovadas, aí sim você pode criar seus paradigmas.
Mas provavelmente, a essa altura do campeonato, você não vai querer falar deles para todo mundo, nem impressionar seus amiguinhos.
A vida é assim. Aprenda a lidar.
Se você quiser ler em primeira mão onde surgiu esse conceito de mudança de paradigmas mágicos, recomendamos a leitura do Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll.
compre liber null e psiconauta na penumbra saraiva cultura amazon martins fontes
Veja Também
Frater Optimus e o Discordianismo
Frater Optimus e os Fracassos Anunciados
Frater Optimus – Mantendo o Ocultismo Oculto