A dança é parte integrante de várias tradições, das meramente religiosas às profundamente mágicas. Mas, ao mesmo tempo, é revestida de uma aura de condenação e proibição por outras tantas culturas. O que, afinal, a dança tem de mais, para ser celebrada por uns e proibida por outros?
Alterando o Estado de Consciência
Uma das premissas básicas para o funcionamento da magia é a presença de estados alterados de consciência. Esse fato pode só ter sido explicitado no século XX, mas é uma verdade que se aplica a todo tipo de magia que já existiram – e provavelmente também a técnicas que ainda não foram inventadas. Isso inclui práticas xamânicas milenares, técnicas mágicas contemporâneas, e até mesmo exaltação religiosa.
Em Liber Null e Psiconauta, Peter J. Carroll esclarece que estes estados alterados podem ser conquistados por métodos inibitórios ou excitatórios. Formas bem diferentes, que chegam a resultados muito similares. Carroll coloca a dança na mesma categoria que o uso ritualístico de música e tambores, e em oposição a formas mais passivas de exaustão física, como por exemplo a privação do sono.
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Danças e Danças
Está claro, portanto, que o principal propósito mágico da dança é alterar o estado de consciência. Isso pode acontecer, basicamente, de duas formas.
Uma maneira é realizar uma dança controlada, (não necessariamente contida), e tentar alcançar o transe pela repetição dos movimentos ou pela exaustão física. Nesse caso, a dança age como qualquer outro exercício físico repetitivo – com o auxílio da música que a acompanha. Batidas repetitivas têm uma tendência a nos empurrar para estados alterados de consciência. Neste caso, a dança é secundária. A música e a repetição são primárias.
A outra forma de alcançar alteração de consciência através da dança é através de uma dança selvagem e descontrolada. Essa, por si só, é suficiente para afastar a atenção do mundo objetivo ao nosso redor, e abre os caminhos para a magia de verdade.
Sobre essa segunda forma, Kenneth Grant ressalta que a velocidade e o aspecto frenético das danças colaboram para o efeito almejado. Em Aleister Crowley e o Deus Oculto, ele ressalta que danças como a dança do ventre também têm a capacidade de inflamar a Kundalini, a “serpente de fogo” que temos dentro de nós e que pode servir como uma poderosa bateria mágica. Ele também menciona a Kirtana dos hindus e as frenéticas danças circulares usadas em ritos de origem africana como formas de abrir a receptividade dos dançarinos às influências cósmicas.
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Dançando com o Diabo
Você com certeza consegue imaginar uma cena: uma fogueira acesa em uma clareira. Uma noite sem estrelas. Bruxas reunidas a seu redor, girando em um círculo. Vozes indistintas, confusas, caóticas. Uma dança frenética, sem coreografia, sem preocupações estéticas, tomando conta de todas ali presentes. E um convidado ilustre: o Diabo.
Essa cena é fácil de imaginar porque já a vimos diversas vezes. Está entremeada em nossa cultura. O motivo para isso é o fato de muitos relatos históricos a respeito do Sabá das Bruxas incluem a famosa cena da dança com o Diabo.
Apesar de dançar ser, primariamente, um meio para alcançar um objetivo, no Sabá isso é resultado de todo um processo mágico. No Sabá, dançar é a consumação simbólica da comunhão com o Diabo (que, por sua vez, também é simbólico).
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Dança: uma Ameaça ao Status Quo
Além de uma ferramenta mágica poderosa para alcançar outros estados de consciência, despertar a Kundalini e abrir a percepção para influências externas, e também como a consumação máxima do rito do Sabá, a dança tem ainda uma outra função.
Como se não bastasse o poder mágico que a dança confere, o simples ato de dançar demonstra que somos donos de nossos próprios corpos. Fazemos com eles o que quisermos. Dançar pode ser, portanto, uma forma de celebrar nossa individualidade.
A dança é uma forma de resistência ao corpo socializado, sejam os autômatos dessexualizados da cultura industrial parodiados pelo techno de Detroit, a retorção de Freiras celebrando uma nova aliança com a carne, a mania de dança que invadiu os pátios da igreja, ou seguidores de Dionísio e Cibele entregues aos seus instintos mais selvagens, com seus os címbalos e flauta. É o fogo irreprimível que varre a medula dos ossos e os articula novamente. Ele fala, ele ruge. A dança é a expansão máxima, assim como a morte é a contração máxima; a interação entre esses estados é o momento imortal no círculo de dança.
Peter Grey – Bruxaria Apocalíptica, pp. 131-132
Peter Grey, em seu Bruxaria Apocalíptica, apresenta ótimos argumentos que mostram por que a dança, com seus inegáveis poderes mágicos, sociais e psicológicos, é considerada condenável ou indesejável em diversos contextos. Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll, apresenta as diversas formas (inibitórias e excitatórias) de se alcançar estados alterados de consciência. Em Aleister Crowley e o Deus Oculto, Kenneth Grant mostra como diversos tipos de dança podem exercer diferentes efeitos mágicos. A Arte dos Indomados, de Nicholaj de Mattos Frisvold, traz diversos relatos históricos que incluem o elemento da dança com o Diabo, e explica a importância simbólica do Diabo para a iniciação.
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