O senso comum diz que obsessões não são saudáveis. Se você tem uma obsessão, tem alguma coisa muito errada acontecendo com você, e é preciso tomar providências para resolver esse problema. Normalmente, toma-se um desses dois cursos de ação: abraçar a obsessão de vez, ou tentar soterrá-la de alguma forma, fingindo que ela não existe e esperando que ela deixe de ser um problema. Mas é claro que nenhuma dessas duas alternativas é a mais adequada. O magista, no entanto, dispõe de uma terceira opção muito mais interessante. Ele pode trabalhar com o conceito de Autômatos Elementais para tirar o máximo de proveito dessas obsessões. Continue lendo para saber como.
Obsessões no Âmago do Ser
Algumas obsessões são evidentes, e podem ser facilmente percebidas pela própria pessoa ou por aqueles que convivem com ela. Mas outras têm o péssimo hábito de se esconderem por trás de manias e hábitos aparentemente dissociados. A mente tem mecanismos bastante eficazes de escondê-las da nossa percepção. É por isso que amigos próximos e pessoas em geral que falem verdades desconfortáveis são importantes. Essas pessoas podem ajudar a enxergar o óbvio.
Mas o fato de que uma obsessão está escondida não significa que ela não causa dano. Na verdade, essas obsessões têm o péssimo hábito de atropelar e contaminar todas as outras ideias de uma pessoa.
Uma possível interpretação sobre essa disposição das coisas é que essas obsessões são manifestações da vocação, do chamado, da verdadeira vontade, ou como queira chamar. E por isso a mente consciente, o sensor psíquico, faz o possível para escondê-las. E por isso, também, é necessário tanto esforço para descobrir essa vontade profundamente entranhada em nossos eus.
E o que tem de bom nisso?
Ao contrário do que pode parecer, as obsessões não são necessariamente ruins. Ruim é a compulsão que as envolve. A compulsão vem da repressão involuntária a tudo que está ligado a essas ideias primordiais. Às vezes há uma quantidade enorme de energia represada por conta dessa repressão involuntária. E esse desequilíbrio, é claro, não tem como ser saudável.
Reprimir esses impulsos é inútil, e só serve para agravar o quadro. Talvez não seja possível para a pessoa comum dar vazão a tais obsessões e sair incólume. (Pelo menos não sem auxílio profissional, como psicólogos, etc.) Mas o magista experiente pode não só se livrar desse incômodo, como também tirar proveito de todo esse potencial acumulado. Kenneth Grant explica como:
O processo tem um valor catártico: o hábito compulsivo que mascarava a obsessão diminui, e o elemental agora tem um veículo através do qual pode operar diretamente.
Kenneth Grant – Aleister Crowley e o Deus Oculto, p. 151
Autômatos Elementais e Familiares Intrusivos
Quanto Grant se refere, na citação acima, ao “elemental”, ele alude ao conceito dos Autômatos Elementais, criado por Austin Osman Spare. Mas antes de definir os autômatos elementais, é importante falar dos Familiares Intrusivos, também definidos por Spare.
Spare acreditava que a genialidade não se originava na própria pessoa. Ele acreditava que a genialidade seria a capacidade de manifestar para o mundo externo uma ideia brilhante, seja através de palavras, arte, ciência, etc. Essa genialidade seria fruto de obsessões de origem externa – os chamados familiares intrusivos. Mas essa influência não se restringiria aos limites individuais, e teria uma característica global, universal, cósmica. Seria como se uma pessoa fosse atingida pelo universo, e disso resultasse uma ideia brilhante.
Ao contrário dos familiares intrusivos, os autômatos elementais seriam estritamente pessoais, e não universais. E as obsessões causadas por autômatos elementais não trariam rompantes de genialidade (capacidade de exprimir ideias brilhantes). Em vez disso, os autômatos elementais seriam capazes de realizar mudanças no mundo físico.
Apesar de não haver hierarquia definida, Spare acreditava que os familiares intrusivos trariam obsessões de uma ordem superior. Os autômatos elementais, apesar de tratarem de ciosas em um nível inferior, seriam em muitos aspectos mais poderosos, por sua capacidade inerente de trazer alterações à realidade consensual.
O Poder do Subconsciente
Estados alterados de consciência são fundamentais para o funcionamento da magia. É por isso que sigilos são sempre carregados fora das condições normais de temperatura e pressão. É por isso que palavras mágicas e idiomas estranhos e incompreensíveis têm mais poder do que palavras normais e a língua que usamos no cotidiano.
Quando lidamos com as obsessões subconscientes, estamos lidando com um nível de consciência completamente destacado dos modos normais de operação da mente. E nisso há enormes quantidades de poder. É por isso que os autômatos elementais têm tamanha capacidade de alteração de realidade.
Trabalhando com os Autômatos Elementais
Spare desenvolveu um método de invocar essas obsessões, conhecido como ressurgência atávica. Não é a única forma de lidar com essas energias, mas é uma forma altamente eficaz.
Em resumo, o método consiste em primeiro descobrir a natureza da obsessão para depois poder trazê-la à tona, o que deve ser seguido por uma forma de banimento.
Para descobrir a obsessão, Spare usava duas das suas técnicas mais famosas: desenhos automáticos e escrita automática. Se, sob estados alterados de consciência, a mente subconsciente começa a traduzir para o papel formas ou palavras estranhas de forma repetitiva, há uma grande possibilidade de que estas estejam fortemente vinculadas à obsessão. Essa técnica não necessariamente explicita a natureza da obsessão, mas a representa em termos simbólicos.
O próximo passo, então, era transformar as formas ou palavras descobertas dessa forma em sigilos, que seriam na sequência usados para invocar as obsessões. E é aí que as coisas ficam complicadas.
Caveat Emptor
O método sugerido por spare não se limita a parar de reprimir a obsessão. Ele vai muito além: ele a invoca, com força total. Dessa forma, o magista tem a capacidade de usar o grande reservatório de energia acumulada pelos autômatos elementais a seu favor, para manifestar mudanças na realidade. E também funciona como uma espécie de autoanálise, porque o magista se coloca em contato direto com a obsessão até então reprimida e desconhecida.
Esses bloqueios podem ser dissolvidos, e a energia libertada pode ser redirecionada para fins criativos e mágicos.
Kenneth Grant – Aleister Crowley e o Deus Oculto, p. 154
Isso tudo tem um enorme poder, não há como negar. Mas, como dizia o tio Ben, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
Depois que o autômato elemental cumpre seu objetivo, grande parte da carga de energia represada pela obsessão se dissipa. Mas isso não significa que o problema esteja resolvido. Se nada mais for feito a respeito, existe uma grande chance de que a obsessão volte a se estabelecer.
É, portanto, considerado prudente lidar com a raiz da obsessão, dar vazão a ela (duas abordagens psicológicas ou comportamentais), ou bani-la (uma solução mágica).
Lidar com os autômatos elementais é uma habilidade extremamente útil para alcançar equilíbrio e buscar autoconhecimento, mas também é uma forma poderosa de conseguir resultados mágicos palpáveis na realidade ao seu redor. A técnica, porém, não é isenta de riscos, e deve ser usada com cautela. Em Aleister Crowley e o Deus Oculto, de Kenneth Grant, há um capítulo inteiro dedicado à compreensão dessa técnica e às diversas formas de aplicá-la.
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