Nicolas Flamel ficou famoso na história como o alquimista que conseguiu fazer a Pedra Filosofal. Flamel já tinha uma certa fama mesmo fora dos círculos dos estudantes de alquimia, e até virou nome de rua em Paris, sua cidade natal, mas ganhou um boom de popularidade (pelo menos por aqui) ao figurar no primeiro livro de Harry Potter.
Nicolas Flamel é assim: todo mundo já ouviu falar, ninguém sabe direito quem foi. Vamos tentar desmistificar um pouco esse personagem que mistura mito e história.
A Pedra Filosofal
Não adianta nada falar sobre Nicolas Flamel sem antes falar da Pedra Filosofal, sua maior realização.
A Pedra Filosofal é a substância alquímica que supostamente seria capaz de transformar metais impuros, como por exemplo o chumbo, em ouro. Esta operação alquímica é conhecida como transmutação. Outra de suas capacidades seria conferir a imortalidade – a Pedra Filosofal às vezes se confunde com o Elixir da Vida. E é por isso que o objetivo maior de todo alquimista é encontrar a tal Pedra.
A ideia de uma Pedra Filosofal não é nova. Há narrativas que afirmam que o próprio Adão teria recebido o conhecimento da Pedra Filosofal de ninguém menos do que Deus. De acordo com essa versão, portanto, a Pedra Filosofal, ou pelo menos seu conceito, é tão antiga quanto a humanidade. Mas a primeira evidência escrita deste conceito data da Grécia, no século III D.C.
A pegadinha é que a tal transmutação dos alquimistas não deveria ser interpretada literalmente. Transformar chumbo em ouro seria uma analogia para o desenvolvimento e aprimoramento do próprio alquimista. A parte da imortalidade teria a ver com iluminação, plenitude, união com o divino, etc. A Pedra Filosofal seria – com o perdão do trocadilho – uma coisa filosófica, e não um objeto palpável.
Mas Nicolas Flamel dizia que conseguiu a Pedra Filosofal no sentido literal. E agora? Isso é possível?
Fazendo Ouro de Verdade
Com o conhecimento que temos hoje, pode parecer meio maluco achar que uma substância qualquer seria capaz de transformar chumbo em ouro. Mas o fato é que isso não apenas é possível, como já foi feito em condições de laboratório.
Isso foi realizado pela primeira vez no Lawrence Berkeley National Laboratory, na Califórnia, quando cientistas tentaram transformar bismuto (um vizinho do chumbo na tabela periódica) em ouro. O experimento deu certo, mas há dois pequenos detalhes. Primeiramente, o custo do experimento foi muito maior do que o valor do ouro produzido. Ou seja: se a intenção era ganhar dinheiro, o tiro saiu (muito) pela culatra. Em segundo lugar, para fazer ouro usando as técnicas modernas, é preciso um pequeno dispositivo que não existia na época de Nicolas Flamel: um acelerador de partículas.
Mas se não existia acelerador de partículas no século XIV, como Nicolas Flamel conseguiu sua Pedra Filosofal?
Nicolas Flamel e a Busca pela Pedra Filosofal
Nicolas Flamel era um mero escriba que trabalhava em uma livraria em Paris, no século XIV. Não era mago, não era alquimista. Uma certa noite, sonhou com um livro, e dias depois uma pessoa apareceu oferecendo a venda de um livro igual ao do sonho. Ele não pensou duas vezes e comprou.
O tal livro se chamava O Livro de Abraão, O Judeu, e suas 21 páginas continham 7 ilustrações alquímicas carregadas de simbolismo. Desnecessário dizer que Flamel não entendeu nada. Mas ficou com aquele mistério na cabeça, e decidiu estudar alquimia.
Depois de muitos estudos, experimentos e nenhum sucesso, Flamel decidiu buscar alguém que entendia do assunto. Viajou para a Espanha, onde encontrou um mestre judeu que o ajudou com várias dicas. Tentou levar seu novo mestre para Paris, mas o idoso senhor faleceu no caminho. Flamel julgou que já havia aprendido o suficiente, e tentou novamente conseguir a Pedra mesmo sem a presença de seu mestre.
Pode parecer que tudo isso aconteceu muito rápido, mas não. O processo todo levou 24 anos de dedicação quase exclusiva. Mas conta a lenda que, no fim das contas, Nicolas Flamel conseguiu finalmente produzir a pedra filosofal.
Flamel segundo Flamel
Ao contrário de muitos alquimistas, que só escreviam suas elocubrações filosóficas e registravam os resultados de experimentos fracassados ou sem importância, Nicolas Flamel deixou escritos relevantes. Um deles, La Vraye practique de noble science d’alchymie, trata da ciência da alquimia de forma ampla. Le Livre de Nicolas Flamel, Contenant L’explication des Figures Hieroglyphiques qu’il a fait metire au Cimetiere des SS. Innocens à Paris explica o significado das figuras misteriosas do Livro de Abraão, O Judeu, que uma vez decifradas conduziram-no à compreensão do mistério da Pedra. Talvez o mais interessante seja Le grand éclaircissement de la pierre philosophale, pour la transmutation de tous les métaux, um tratado esclarecendo a obtenção da Pedra Filosofal propriamente dita.
Os três livros podem lidos e baixados de graça nos links abaixo (infelizmente só em francês):
La Vraye Practique Le Livre de Nicolas Flamel Éclaircissement de la Pierre Philosophale
Evidências da Pedra Filosofal
Tudo bem, é muito fácil dizer que conseguiu alguma coisa. Mas e as evidências? Sem evidências, tudo fica no âmbito do mito. Mas o impressionante é que há, sim, evidências de que Nicolas Flamel conseguiu transmutar metais em ouro. Ou pelo menos de que conseguiu enriquecer muito e rápido
Flamel era apenas um escriba, não era nem mesmo o dono da livraria onde trabalhava. Portanto, não era rico. Mesmo assim, em dado momento depois do suposto sucesso de sua operação, Flamel e sua esposa e musa inspiradora, Perenelle, ajudaram várias iniciativas de caridade. Há registros de doações do casal para (no mínimo) quatorze hospitais, sete igrejas e três capelas. O que parece excessivamente bondoso para pessoas que não tinham dinheiro sobrando.
Será, então, que Nicolas Flamel de fato conseguiu a tal Pedra Filosofal, no sentido literal, e saiu fabricando ouro por aí? Terá ele recebido uma herança, passado a perna em alguém, pegado para si as riquezas de seu mestre judeu? E será que todas essas possibilidades não seriam formas de transformar o chumbo (atitudes vis e mesquinhas) em ouro (riqueza, bondade, caridade, etc.)?
Robert M. Place, em Alquimia e Tarô, relata a história de Nicolas Flamel em mais detalhes, e traça um paralelo fascinante entre a ciência da Alquimia e o Tarô. Em Aleister Crowley e o Deus Oculto, Kenneth Grant apresenta uma visão alternativa sobre o Elixir da Vida, de um ponto de vista tântrico.
Alquimia e Tarô, de Robert M. Place
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