Tarot e Magia na Obra de Jodorowsky

Tarot e Magia na Obra de Jodorowsky

Por Vinicius Ferreira, editor da Penumbra Livros

Alejandro Jodorowsky nasceu no Chile, de uma família judia, mas passou boa parte de sua vida adulta na França. Além de “multinacional” é um daqueles artistas multitalentosos, que não param de surpreender. Pessoalmente, eu conheci o trabalho dele nas páginas da revista Heavy Metal. Me surpreendi quando descobri, anos mais tarde, que era também diretor de cinema, com vários filmes cult – uns aclamados pela crítica, outros mais controversos. Eu acho a controvérsia uma coisa boa, e concordo com a máxima rodriguiana de que toda unanimidade é burra. Logo descobri que Jodorowsky é também diretor de teatro, roteirista, escritor, poeta, músico e compositor. E também guru espiritual, mago e tarólogo.

Jodorowsky está perto da marca dos 90 anos, e continua produzindo sem parar, em todas as mídias. Mas o que norteia toda a sua obra é, no fim das contas, o Tarot. Porque o Tarot não é um mero instrumento divinatório – é o livro dos livros, e contém todas as histórias. As famosas e as desconhecidas, as já contadas e as ainda não pensadas.

Filmes

El Topo

Jodorowsky começou sua carreira de cineasta em 1957, mas foi só com El Topo, de 1970, que conseguiu atrair a atenção das pessoas certas. El Topo é um faroeste psicodélico bastante controverso. O filme foi filmado no México, mas conseguiu ser tão ofensivo para tantas pessoas que foi melhor simplesmente não exibir o filme nesse país. Motivos para controvérsia não faltam – é um faroeste lisérgico, com muita violência gráfica, incluindo até mesmo uma cena real de estupro. Imagine isso em 1970. O filme tem um subtexto esotérico, de morte e renascimento, redenção, etc. Mas muita gente achava que era muito exagero e pouca arte. Por essas e outras, El Topo não chegou aos cinemas grandes, mas caiu nas graças do circuito cult de Nova Iorque. E um tal de John Lennon calhou de gostar bastante do filme, e convenceu um dos executivos da Apple (sua gravadora, não a dos computadores) a conseguir dinheiro para Jodorowsky trabalhar em sua próxima produção.

A Montanha Sagrada

E daí surgiu, em 1973, A Montanha Sagrada. Se El Topo flertou com temas esotéricos, A Montanha Sagrada chafurdou no esoterismo – e está carregadíssimo de simbolismo do Tarot. O protagonista, um ladrão, é claramente o Tolo do Tarot, e seu companheiro é o Cinco de Espadas. Ao longo de sua jornada, eles conhecem um alquimista, e mais sete pessoas. Cada uma dessas pessoas representa um arquétipo planetário. Ao contrário do que talvez se imagine, essas referências não são veladas. Há um momento, inclusive, em que os “planetas” seguem seu caminho carregando cajados com seus respectivos símbolos planetários. Não fica mais explícito do que isso. Todos se encaminham em uma espécie de peregrinação para subir a Montanha Sagrada do título, mas antes do fim da jornada, ocorre algo inesperado. 43 anos do filme do Deadpool “inovar”, A Montanha Sagrada nos agracia com uma excepcional quebra da quarta parede. Um dos personagens dá uma ordem ao operador de câmera, que afasta o zoom, revelando o estúdio de filmagem com todas as suas parafernálias. O filme termina, magistralmente, com uma mensagem ao telespectador: isso aqui é só um filme, vá viver a vida real.

Outros Trabalhos

O relativo sucesso dessa obra tarológica fez com que Jodorowsky fosse cotado para dirigir o filme de Duna, de Frank Herbert. O projeto não foi para a frente, pois o roteiro que ele escreveu daria 14 horas de filme, e estúdio nenhum topou fazer uma produção como essa. O roteiro foi parar nas mãos de outro diretor altamente simbólico – David Lynch, que acabou rodando o filme só em 1984. Jodorowsky faz filmes até hoje. Sua produção mais recente, Poesia Sem Fim, é uma cineautobiografia. Você pode assistir um trailer (legendado em português) aqui embaixo.

Quadrinhos

A influência esotérica e do Tarot na obra de Jodorowsky não se resume aos seus filmes. Os quadrinhos também não saíram ilesos.

A primeira coisa com começo, meio e fim que li do Jodorowsky foi A Saga dos Metabarões. O que eu não sabia – ignorante que sou – é que essa história se passa no mesmo universo de sua obra mais famosa nos quadrinhos: O Incal.

Jodorowsky escolhe bem suas parcerias. Depois de se bandear com John Lennon para conseguir dinheiro para seu filme, decidiu fazer O Incal em parceria com ninguém menos do que Jean Giraud, que também atendia pelo nome de Mœbius.

Assim como El Topo e A Montanha Sagrada, O Incal é também uma história iniciática. E nem se preocupa em disfarçar esse fato. O personagem principal se chama John DiFool. O que é, obviamente, um trocadilho com The Fool, O Tolo do Tarot. Temos aqui mais uma história que acompanha as desventuras do Tolo, mas dessa vez no universo dos Metabarões, e com arte de Mœbius. Se você não conhece O Incal mas gostou do filme O Quinto Elemento, saiba que correu na justiça por muitos anos um processo por plágio – o filme teria supostamente copiado elementos de roteiro e estética da obra em quadrinhos. Não é à toa que muita gente considera O Incal a obra prima de Jodorowsky.

A obra em quadrinhos de Alejandro vai longe, e inclui parcerias com nomes como Milo Manara. Não é para qualquer um.

Psicomagia e Tarot

Mas o tema do nosso site não é cinema nem quadrinhos. Então vamos ao que interessa.

Psicomagia e Psicogenealogia

Jodorowsky também desenvolveu uma nova corrente mágico-esotérico-psicológica: a Psicomagia (que é, inclusive, explicada em detalhes em livro homônimo, facilmente encontrado em espanhol). É uma mistura de psicoterapia, arte e filosofias orientais, com o objetivo de curar problemas psicológicos. A ideia principal é que a mente subconsciente considera que atos simbólicos são como os fatos concretos. Dessa forma, uma forma de curar a psique no âmbito do subconsciente é realizar atos simbólicos com potencial para resolver conflitos irracionais. É claro que não adianta fazer nada disso sem antes entender quais são esses conflitos e através de quais atos simbólicos eles podem ser resolvidos. Essa descoberta não é simples, e passa por um processo de análise da árvore genealógica do paciente – um processo conhecido como psicogenealogia.

Reconstruindo o Tarot de Marselha

Além de ter estudado o Tarot, que usou como fio condutor de sua obra artística por décadas, Jodorowsky também estudou a fundo o Tarot – mais especificamente, o Tarot de Marselha. Na década de 1990, ele se uniu a Philippe Camoin, o último descendente da família que tradicionalmente imprimia esse baralho secular na região de Marselha, na França. Juntos, eles compararam inúmeras versões desse Tarot (os Tarots de Nicolas Conver, Dodal, François Tourcaty, Fautrier, Jean-Pierre Payen, Suzanne Bernardin, o de Besançon por Lequart, entre outros). Após cuidadoso estudo desses diferentes baralhos e dos antiquíssimos moldes originais de impressão, Jodorowsky e Camoin foram capazes de restaurar o Tarot de Marselha como ele deveria ser em suas origens, que remontam ao século XVII. O resultado foi um baralho que combina a simbologia original com as cores mais exatas.

O próprio Jodorowsky assume ter se surpreendido com essa reconstrução, pois após mais de quarenta anos memorizando cada detalhe de um determinado baralho, o resultado final acabou destoando um pouco do que ele considerava ser a versão historicamente mais correta.

Todo o conhecimento acumulado por Jodorowsky a respeito do Tarot está condensado em sua obra inigualável, O Caminho do Tarot, que saiu recentemente em português, e está disponível na loja da Penumbra Livros. Lá você também encontra uma outra obra em quadrinhos que tem tudo a ver com tarot: THTRU, do  lendário Rodolfo Zalla, por um preço especial.

Tarot e Magia na Obra de Jodorowsky