Com Deuses Americanos em evidência, Anansi, o deus aranha da África Ocidental, provavelmente está tendo mais visibilidade do que nunca antes na história deste planeta. Se seu único contato com Anansi foi através de Deuses Americanos, ou se você não teve nenhum contato, pode parecer natural pensar nos deuses aracnídeos como entidades negativas e traiçoeiras. Mas existem outros deuses aracnídeos ao redor do mundo. E, apesar das características mais evidentes das aranhas – animais noturnos, peçonhentos, traiçoeiros – normalmente estes deuses não estão associados a nada de negativo. Vamos dar uma olhada em algumas mitologias.
Deuses Aracnídeos dos Povos Nativos Americanos
Os povos nativos da américa do norte têm uma ligação com o simbolismo da aranha. Sua arte constantemente traz motivos aracnídeos – talvez o exemplo mais famoso sejam os Apanhadores de Sonhos, típicos da Nação Ojibwe, que se inspiram na teia da aranha. Mas além da arte e das lendas em geral, deuses aracnídeos também são importantes para alguns desses povos.
Hopi
Kótyangwúti, a Mulher Aranha, é uma deusa adorada pelo povo Hopi, nativo dos Estados Unidos. Ela desempenha um papel importante no mito de criação deste povo. Foi criada por Sótuknang, o deus primordial, para ajudá-lo a criar as coisas e os seres vivos. Kótyangwúti viu que era trabalho demais para fazer sozinha. Com barro e sua saliva, criou dois gêmeos para colaborarem com sua tarefa. Um ela mandou dar forma às coisas, e o outro ela ordenou que enchesse o mundo de som. Quando tudo estava pronto, foi designado que um fosse para o polo norte e outro para o polo sul, para fazerem o mundo girar. Enquanto isso, a própria Kótyangwúti começou a criar os seres vivos – as plantas, os animais, e até mesmo os seres humanos.
Infelizmente, as coisas não deram certo na primeira tentativa, e o mundo precisou ser destruído três vezes – inclusive com um dilúvio. Teoricamente, estamos vivendo na quarta versão do mundo. Isso remete a mitologias de outros povos, embora não haja nenhuma ligação cultural entre esses povos. Criação a partir do barro, dilúvios… qualquer semelhança é mera coincidência? Ou talvez, ousando um pouco mais, Matrix?
Cherokees
No mito de criação dos Cherokees, o mundo já havia sido criado, mas vivia na escuridão. O sol já existia, mas ficava no lado oposto da Terra, onde não era tão útil. Depois de outros deuses-animais terem se queimado ao tentar buscar o sol, a Avó Aranha decidiu tentar também. Ela criou um pote de barro grosso, e teceu uma teia que ia de um lado ao outro do mundo. Sem fazer alarde, colocou o sol no pote, pôs o pote nas costas, e voltou seguindo sua teia. Só ela conseguiu trazer o sol para o lado “certo” do mundo.
A Avó Aranha é, portanto, a trazedora da luz, e também quem deu ao homem o dom de fazer o fogo, e a fazer trabalhos de cerâmica. Duas outras mitologias encontram aqui um paralelo. Primeiramente, existe um outro “trazedor de luz” famoso na mitologia judaico-cristã – desnecessário dizer de quem se trata. Em segundo lugar, essa coisa de levar a luz de um lado ao outro do mundo aparece também em uma obra bem posterior: O Silmarillion. Será que rola aí alguma inspiração?
Outros Povos Indígenas
Deuses-aranhas também aparecem nos panteões dos índios Arapaho e Cheyenne, sempre ocupando uma função de criadores. Parece que a capacidade das aranhas de tecer (criar) está, na concepção dos povos nativos da América do Norte, acima dos aspectos supostamente negativos que outras culturas atribuem às aranhas.
Aranha surgiu na Grécia
Aracne não é exatamente uma deusa – está mais para uma personagem mitológica. Aracne era uma mulher mortal, que se gabava de ser a melhor tecelã de todas. Atena, notória invejosa e encrenqueira, cismou de fazer um concurso para ver quem era a melhor na arte de tecer.
Além de encrenqueira, Atena era uma má perdedora. Depois de constatar que Aracne realmente tecia melhor do que ela própria, destruiu o resultado do seu trabalho superior. Aracne, desolada, decidiu se enforcar. Num raro arroubo de bondade, Atena a transformou em uma aranha, e a corda em uma teia, para que Aracne pudesse passar a eternidade tecendo.
É de Aracne que vem a palavra aranha, e não o contrário.
Mitos Modernos
Nem todos os deuses foram criados por povos antigos em tempos imemoriais. Novos deuses são criados diariamente – deuses da ficção, novos conceitos que são endeusados, ou como frutos de práticas mágicas pouco ortodoxas. E uma deusa aranha criada por um grupo de magistas do caos ganhou alguma notoriedade ultimamente.
Trata-se de Ellis (não confundir com Éris). Ellis é a divindade central do panteão do grupo DKMU. Trata-se de uma mulher aranha que tece uma teia de caos e discórdia sobre o que se convencionou chamar de realidade consensual. Seu sigilo é o Linking Sigil (Sigilo de Ligação) que conecta todos os membros e todos os trabalhos mágicos executados por esse grupo. Do ponto de vista moral, ela é considerada neutra, embora seja bastante imprevisível em suas ações.
Ao contrário dos deuses aracnídeos norte-americanos, Ellis não tem nada a ver com a criação do mundo, mas sua teia serve para conectar magicamente – sejam locais físicos, energias, estados de consciência, etc. Ela cria uma base para que se faça magia, que é uma forma nobre (embora não óbvia) de criação.
O que Anansi Cria?
Criar o mundo e os seres vivos, trazer a luz do sol, o dom do fogo, ensinar artes, tecer os mais belos tecidos, estabelecer as fundações para trabalhos mágicos… Todos esses feitos têm em comum o aspecto de criação ligado aos deuses aracnídeos. Mas o que Anansi cria?
Anansi é retratado (tanto nos mitos africanos quanto em Deuses Americanos) como um deus enganador, que sempre quer levar a melhor sobre os outros animais. Mas ele é apenas uma pequena aranha, e frequentemente consegue enganar animais perigosos. Gorilas, elefantes, leões… Tudo que Anansi consegue é através da astúcia, da pilantragem, da enganação.
Em última análise, o que Anansi cria são histórias. E histórias têm poder. Todos os mitos de criação são histórias (verdadeiras ou falsas, não importa). Isso inclui as versões mitológicas, mas também as científicas. E é por isso que Anansi, mesmo sendo um enganador (que é da natureza da Aranha), é venerado como um deus de sabedoria e das histórias. Se histórias são importantes para nós, imagine o quanto são imprescindíveis para os povos onde Anansi se originou, onde a tradição oral é praticamente a única forma de transferência de conhecimento.
É por isso que Anansi, mesmo não criando nada material, é um dos deuses mais importantes. É das histórias que vem todo o conhecimento daqueles povos, que é essencial para sua sobrevivência.