Sangue Bruxo é Hereditário?

Sangue bruxo é hereditário?

Todo mundo gosta de valorizar seu próprio passe. Numa entrevista de emprego, ninguém chega dizendo que gosta de acordar tarde, que terça-feira é dia do futebol com os amigos ou que não tem a menor ideia de como funciona o Excel. Ao mesmo tempo, é natural dar aquela aumentada na parte boa: dizer que já trabalhou em projetos importantíssimos, que foi gestor de uma equipe de sucesso, que aumentou a performance desse e daquele processo. Mesmo que sejam só verdades parciais. Pois é. Se é assim com entrevista de emprego, você acha que seria diferente com a magia? Existe um debate acirrado sobre a existência ou não de uma linhagem mágica, de um sangue bruxo, de uma hereditariedade que faz com que Fulano seja, desde o nascimento, “mais mágico” do que Beltrano. Mas será que isso faz algum sentido?

Deuses e Homens

A ideia da hereditariedade na magia precede os homens – está presente nas esferas mitológicas e divinas. Todas as principais mitologias e religiões tratam a hereditariedade como um tema muito relevante. As religiões politeístas talvez sejam o exemplo mais claro. Quem é (teoricamente) mais poderoso: Odin ou Thor? Zeus ou Atena? OK, você já entendeu. Há também os semideuses, como é o caso de Hércules. Odin também teve um bocado de filhos, ou pelo menos é o que contam as lendas. A bíblia também não sai imune: vide o famoso caso do rapazinho que nasceu em Belém.

Ainda seguindo com a história de JC, existe uma turma que se diz descendente dele e de Maria Madalena. Seriam, portanto, descendentes diretos de Deus/Javé/Yhwh. E isso não é pouca coisa. Se eu quisesse tirar onda de sacerdote poderoso, clamar descendência divina provavelmente não seria má ideia.

Criaturas Fantásticas

Mas nem todo mundo que clama ter o tal sangue bruxo diz descender diretamente de deuses. Outras fontes comuns de sangue mágico são criaturas mitológicas ou fantásticas, como elfos, fadas e dragões. Pode parecer meio bobo nos dias de hoje pensar que alguém realmente crê ter descendência biológica dessas criaturas, que provavelmente, caso existissem no plano material, teriam uma estrutura genética não muito similar à nossa. Mas é preciso enxergar essas afirmações de um ponto de vista simbólico.

Os dragões, por exemplo, são vistos como possuidores de uma vasta sabedoria. Os elfos são comumente associados com o outro lado, com o mundo fantástico que coexiste com o nosso. Descendência dessas criaturas seria, portanto, indicativo de capacidades especiais, mas não necessariamente algo que aterrorizaria os geneticistas modernos.

Sangue Bruxo

E há povos inteiros que valorizam demais a descendência. Um bom exemplo são os ciganos – você não escolhe se tornar cigano. Você nasce cigano, com sangue cigano. Ainda mais comum é o caso do povo judeu – se sua mãe não for judia, você não é judeu de verdade. É claro que pode se converter, e seguir a fé. Mas não é a mesma coisa.

Olhando por esse ângulo, existe, sim, um sangue bruxo. E é possível rastrear a ancestralidade desse sangue, usando métodos bem mundanos (embora não seja possível desvendar com precisão as puladas de cerca que possam ter ocorrido séculos atrás).

Liber AL vel Legis, I:3

Há quase exatamente 113 anos, Aleister Crowley recebeu uma mensagem de uma inteligência superior (herança espiritual?), que dizia:

Todo homem e toda mulher é uma estrela.

Considerando que o Livro da Lei está correto, isso significa que todo mundo é igual? Que todos temos a mesma capacidade (mágica e mundana)? Que todos podemos brilhar da mesma forma? Então temos um problema com a teoria do sangue bruxo!

Calma. Não é bem assim.

Primeiramente, existem estrelas e estrelas. Cada estrela tem sua própria grandeza e magnitude. Em segundo lugar, uma leitura menos óbvia desse versículo seria que cada um tem um caminho a trilhar na imensidão dos céus (a realização da verdadeira vontade), e que se ninguém se meter no caminho do outro (as estrelas não atrapalham umas às outras), todo mundo pode coexistir numa boa.

É, talvez o Livro da Lei não seja tão democrático quanto alguns pensam, e certamente não está em oposição direta à hipótese do sangue bruxo.

Cada um com seu cada um

Peter J. Carroll, com seu viés altamente científico, fez o impensável e definiu a probabilidade de sucesso de uma operação mágica em termos de variáveis em uma equação. São elas: Gnose, Vínculo Mágico, Percepção Consciente e Resistência Subconsciente. Supondo que sua equação esteja correta, repare que não há um índice de divindade, ou hereditariedade. Tudo depende da competência mágica do operador. Qualquer um que consiga um elo forte, um estado de consciência profundamente alterado, ao mesmo tempo que reduz sua consciência da realidade e a resistência subconsciente é capaz de operar magia de primeira.

Mas será que todo mundo consegue fazer isso? Altos índices de gnose podem ser alcançados com treino – que pode ser curto para uns, ou demandar anos para outros. O elo mágico depende mais de fatores mundanos do que qualquer outra coisa. Mas será que não é preciso ser filho do dragão para ter a sabedoria necessária para quebrar a resistência natural do nosso cérebro? Será que não é preciso ter sangue de fada para conseguir se desapegar o suficiente da realidade que nos cerca? Essas perguntas cabem a cada um responder.

 

Em A Arte dos Indomados, Nicholaj de Mattos Frisvold discute com maior profundidade o tema do sangue bruxo e da hereditariedade da bruxaria em diversas culturas no mundo. Você encontra este lançamento na loja da Penumbra Livros.

Sangue Bruxo é Hereditário?