Segundo o uso corrente da língua portuguesa, a palavra bruxaria designa o uso de poderes de cunho sobrenatural. Mas é claro que um conceito tão complexo não pode ser definido em uma só linha. Há três pontos de vista principais sobre o que é bruxaria.
Para os Antropólogos
O primeiro ponto de vista é o antropológico. Ele demonstra que bruxaria é sinônimo de feitiçaria. O que nos leva à seguinte questão: o que é feitiçaria?
Esse também é um conceito debatível. Mas resumindo, a feitiçaria é normalmente tida como um ato mágico com intenções mundanas. Exemplos incluem conseguir dinheiro, sexo, etc.
Austin Osman Spare, o notório artista, mago e feiticeiro, tinha uma relação bem próxima com a feitiçaria. Foi com uma velha feiticeira que ele aprendeu a fazer sua magia, e foi da feitiçaria que ele derivou seu revolucionário sistema do alfabeto do desejo, que é a base para a atual técnica de sigilos usada na Magia do Caos.
Bruxaria Histórica
O segundo ponto de vista é o histórico. Os historiadores especializados no tema têm uma grande avidez por definir o que é bruxaria, baseando-se em documentos e outras formas de registros.
Nos registros dos julgamentos de bruxas medievais, há alguns temas recorrentes. Primeiramente, as “bruxas” eram julgadas por absolutamente qualquer coisa. Morreu um boi na fazenda ao lado? Um gato entrou pela sua janela? Obviamente, trata-se de obra da “bruxa”. Vamos julgá-la. E condená-la. E vê-la queimar.
É desnecessário dizer, portanto, que a maioria das “bruxas” que era julgada, na verdade, não praticava forma alguma de bruxaria ou feitiço. Simplesmente eram mulheres (em sua maioria) que tinham o azar de ser associadas com a má sorte alheia. Mesmo assim, os juízes e inquisidores conseguiam extrair “confissões” mais ou menos parecidas, ainda que separados por séculos e continentes de distância. Como exemplos, temos o tema dos animais familiares, “trocas de pele”, a adoração ao diabo e o Sabá das Bruxas.
Bruxaria Moderna
O terceiro ponto de vista é o da bruxaria moderna. Na segunda metade do século XX houve uma explosão de interesse no tema. Algumas correntes dessa época colocam a bruxaria como uma forma de religião pagã. É por isso que este movimento é também conhecido como neopaganismo.
O maior expoente deste renascimento da tradição das bruxas e do neopaganismo europeu é, provavelmente, a Wicca. Não se engane: apesar de muitos dizerem que a Wicca é mais antiga do que o Cristianismo, isso não é verdade. A bruxaria, sim, é tão antiga quanto a humanidade. A Wicca foi “inventada” nos anos 1950 e 1960, logo após a bruxaria ter sido descriminalizada na Inglaterra. É clarro, estas versões reconstruídas têm fortes influências da tradição dos tempos imemoriais.
Diversas manifestações de bruxaria surgiram em todas as partes do mundo, ao longo das eras. Além da conhecida vertente britânica, o Voudon, Goetia, Santeria e Quimbanda também são manifestações da bruxaria tradicional. Só não são eurocêntricas.
A principal divisão que se pode fazer atualmente entre grandes grupos na bruxaria é entre a tradicional e a moderna.
Muitos consideram, portanto, que a bruxaria moderna se origina deste renascimento, encabeçado por Gerald Gardner e seus contemporâneos na Inglaterra, já no século XX.
Já a Bruxaria Tradicional é aquela anterior às tradições de reconstrucionismo religioso de práticas pagãs ligadas a uma tradição específica. Esta expressão foi cunhada para diferenciar as práticas de bruxaria pré-gardnerianas.
Ao contrário do que se possa supor, grupos tradicionalistas vieram ao longo do tempo absorvendo conhecimentos e conceitos de diversas expressões de religiosidade. Como não se submeteram à separação entre ciência e religião, também vieram modificando sua compreensão cosmológica e suas práticas com o avanço científico.
Sinônimo de Maldade?
A visão dualista do mundo foi o que gerou a confusão entre bruxaria e feitiçaria, e levou muitos praticantes e leigos a criarem equivocadamente a os termos “bruxos brancos” e “bruxos negros”. Supunha-se que aqueles que praticassem apenas o “bem” seriam bruxos brancos, e os que praticassem apenas o “mal” seriam bruxos negros.
No entanto, os bruxos e bruxas minimamente sérios não se pautam por conceitos artificiais como bem e mal. Toda e qualquer magia deve ser considerada cinzenta (um misto da dualidade, expressa metaforicamente de várias formas: luz e escuridão, positivo e negativo, bem e mal). Aplica-se aqui a velha analogia da faca de cozinha. Você pode usá-la para cortar cebolas ou para cometer assassinatos em série. A escolha é sua. A faca é neutra, e isenta de moralidade.
A Arte dos Indomados, agora publicado pela primeira vez em português, se aprofunda nos temas que estão presentes nas diferentes tradições de bruxaria. O autor, Nicholaj de Mattos Frisvold, é um praticante da Arte, mas é também um antropólogo e acadêmico de primeira categoria. O livro é uma visão única sobre o tema da bruxaria tradicional, sem se restringir a uma única vertente. Você já pode comprar o seu na loja da Penumbra Livros.