Vários mitos exploram o aspecto da Besta dentro de nós. O Médico e o Monstro, lendas de lobisomens… Os exemplos são muitos. Vários modelos explicam essa dualidade, dos oito circuitos de Timothy Leary à ressurgência atávica de Austin Osman Spare. Vamos dar uma olhada em algumas dessas explicações.
Os Oito Circuitos de Timothy Leary
Timothy Leary foi um psicólogo americano bastante controverso. Com suas pesquisas revolucionárias, conseguiu a proeza de ser contratado como professor em Harvard. E por ser revolucionário demais, conseguiu a proeza ainda maior de ser expulso de Harvard. Foi candidato a governador da Califórnia, chegou a ser preso, e influenciou figuras como John Lennon, William Gibson, Allen Ginsberg e Robert Anton Wilson. Ficou famoso por conduzir, legalmente, vários experimentos com drogas, incluindo psilocibina e LSD. Uma de suas maiores contribuições para a ciência é o modelo dos oito circuitos da consciência humana.
O modelo de oito circuitos defende que o cérebro humano é o resultado de diversas etapas de evolução, e também a nossa consciência. Quanto mais elevado o circuito, menos “animalescas” as funções que ele rege.
O primeiro circuito está relacionado à vida invertebrada, e se preocupa apenas com alimentação, segurança física, conforto, proteção e sobrevivência, no sentido mais primordial.
O segundo circuito se origina da época em que animais começaram a viver em coletividade. Está presente na maioria dos mamíferos. Trata de dominação, submissão e territorialidade. É o que define comportamentos agressivos, de “macho alfa”.
O terceiro está presente em primatas de forma geral, e rege a comunicação e outras formas de pensamento abstrato – como, por exemplo o tempo. O quarto já nos caracteriza como humanos que somos, lidando com moral, conceitos de certo e errado, etc. Do quinto ao oitavo, lida-se com formas mais avançadas de consciência, com as quais não lidamos no cotidiano.
Mas por que estamos falando das teorias de Timothy Leary para explicar bestas, monstros e lobisomens?
Ninguém funciona o tempo todo em um circuito só
Passamos boa parte do tempo operando no quarto circuito, regidos por preocupações morais. O terceiro circuito nos dá suporte para fazer as ações do dia a dia. O segundo circuito é muito atuante em ambientes de trabalho, na prática de esportes competitivos, etc. Quando você se afasta instintivamente de uma situação de perigo, é o seu primeiro circuito agindo sem você nem se dar conta.
Mas sejamos realistas. Por mais que a civilização tenha nos tornado mansos e despreparados para a vida na natureza, os instintos dos circuitos inferiores estão todos lá, esperando para serem despertos.
Imagine-se agora numa situação hipotética. Você está amarrado no trilho de um trem. No trilho ao lado, várias criancinhas inocentes (porém desconhecidas) estão também amarradas. Vem vindo um trem. Você pode escolher entre deixar o trem atropelar você ou as criancinhas. Alguém vai morrer. Quem você salva?
Se você respondeu que salva as criancinhas, é muito bonito da sua parte. E talvez você (que nesse momento está com o quarto circuito ativado) esteja sendo sincero. Mas acredite: na hora do desespero, o primeiro circuito fala mais alto do que o quarto. Você ficaria feliz de sobreviver, não importa o custo.
Isso é porque os circuitos mais baixos sempre falam mais alto do que os mais elevados. Uma pessoa pode, por exemplo, ter momentos em que o primeiro e o segundo circuitos reinam supremos. Seu comportamento, nesses casos, não é muito diferente de um animal selvagem. Um mamífero territorialista. Um lobo.
O humano tem um homem, um lobo e um crocodilo vivendo dentro de seu crânio.
Peter J. Carroll, em Liber Null e Psiconauta – Perspectivas Mágicas
Temos dentro de nós todos esses oito circuitos. Uns estão mais ativos, outros menos. Somos todos, em última análise, esfinges.
Acessando os Outros Circuitos
Acessar circuitos à vontade é uma prerrogativa do mago. Usando as técnicas adequadas de controle mental (controle da própria mente), é possível alcançar estados mais elevados.
No sexto circuito, por exemplo, é possível ter experiências com outras realidades, acessar comunicação telepática, etc. Isso tem tudo a ver com vários tipos de práticas mágicas – principalmente obras de iluminação e divinação.
Mas por que alguém gostaria de acessar circuitos mais baixos, como o primeiro e o segundo?
Entrar no estado de consciência regido por esses circuitos menos elevados pode ser útil para realizar obras igualmente menos elevadas. Destruição, sexo, e outras finalidades podem ser alcançados a partir desses estados. E, é claro, esses circuitos podem ser explorados para ampliar o autoconhecimento, corrigir defeitos, etc.
E, como é de costume com tudo que não é compreendido pela maioria, essa mudança deliberada de estado foi demonizada ao longo da história. Essa pode ser a origem de alguns dos mitos de lobisomens. Homens que se transformam em lobos, realizam atos bestiais, e voltam a se comportar como homens.
Ressurgência Atávica
O método de mudança de circuito pode ser feito sem associação com nenhum animal em particular. Mas é também possível acessar os atavismos animais primordiais para obter, magicamente, o poder desses animais.
Dessa forma é possível adquirir a capacidade de voo das aves, a força de um elefante, a velocidade de um leopardo, etc. (É evidente que todos esses poderes são assumidos simbolicamente – mas os efeitos não são nada simbólicos.)
Essa fórmula foi muito usada pelos adeptos da Golden Dawn. A Assunção de Formas-Deus – invocação de divindades egípcias, com cabeças de animais – nada mais é do que uma forma glamourificada de acessar níveis de consciência pré-humanos.
Austin Osman Spare desenvolveu a chamada fórmula da Ressurgência Atávica, também usada para tocar esses níveis conscienciais e extrair seus poderes para uso do magista.
Esses diferentes modelos têm uma coisa em comum: o ser humano não é racional o tempo todo. Podemos descer à bestialidade a qualquer momento. O mais normal é que isso seja descontrolado e imprevisível. Mas o magista habilidoso pode usar isso a seu favor, acessando fontes de poder antigas e intensas para seus propósitos.
Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll, apresenta uma visão sobre o mecanismo evolutivo do cérebro e sua relação com o conceito de Baphomet. Uma explicação detalhada da fórmula de Ressurgência Atávica de Austin Spare pode ser encontrada em O Renascer da Magia, de Kenneth Grant.
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Imagem: annawitt