Talvez você já tenha se perguntado. Com tantos animais por aí, por que o Diabo é sempre associado ao Bode? Se é para transmitir uma ideia de coisa ruim, tantos outros animais seriam mais indicados! O bode é vegetariano, não é venenoso, não tem garras afiadas, não tem hábitos noturnos… Por que diabos (com o perdão do trocadilho) escolheram ele para representar o Diabo?
Não existe uma resposta simples e indiscutível para essa pergunta. Mas podemos começar com um conceito básico:
‘O Diabo’ é historicamente o Deus de todos os povos inimigos.
Aleister Crowley, em Liber ABA
O Bode na Antiguidade
Antes do bode ser associado com o mal, já havia outras representações simbólicas associadas ao bode. Talvez o melhor exemplo seja Pã. Apesar de não ser maligno, Pã é uma divindade lasciva. E se o bode não é venenoso, perigoso, etc., uma coisa é certa: ele gosta de sexo.
Antes de ser demonizado pelas religiões monoteístas, o bode era a divindade principal de alguns povos – como era o caso da cidade Mendes, no Egito.
Milênios atrás, outros animais eram associados com o aspecto maligno ou diabólico. Alguns exemplos são os gatos, morcegos, hienas, e até mesmo o cinocéfalo, o lendário macaco com cabeça de cão.
O Bode na Astrologia
Milênios atrás, o ciclo anual do Sol tinha muito mais importância do que tem hoje. Afinal de contas, nas sociedades agrícolas da época, o ciclo das estações não era uma questão de gosto ou apreciação pessoal, mas sim de sobrevivência.
Todo ano o Sol faz uma jornada de ida e volta ao “submundo”. Em certa parte dessa jornada, os dias começam a ficar mais curtos e as noites mais longas. Na antiguidade, isso ocorria justamente quando o sol se posicionava sobre a constelação de Capricórnio. E por esse motivo, a imagem do bode (Capricórnio) ficou associada a trevas e escuridão. E, logo, ao mal.
O ponto oposto da jornada, marcado pelo momento em que os dias voltam a ficar mais longos, ocorria quando o sol estava sobre Áries. E daí se origina a associação da imagem de Cristo (menino Jesus) com o Cordeiro de Deus. O Renascer da Magia, de Kenneth Grant, se aprofunda melhor na explicação destas relações astrológicas.
Na Idade Média
Dois grupos foram muito associados ao bode durante a idade média. Não por acaso, ambos foram injustiçados e perseguidos pela inquisição: os judeus e os maçons.
A associação com os judeus é facilmente explicada (embora, como tudo ligado à idade média, haja controvérsia). Tradicionalmente, os judeus usavam barbas, e os cristãos da época os ligavam, pejorativamente, a este animal barbudo.
Já a ligação com os maçons não é tão simples, e é assunto de muita discussão. Uma das possibilidades seria que, para evitar perseguições, os maçons faziam suas reuniões cada vez em um local distinto. E para sinalizar o local, um dos maçons sairia pela cidade carregando consigo um bode com um sino. Seus irmãos saberiam do que se tratava. Os outros cidadãos não.
É claro que, após algum tempo, esses simples simbolismos passariam a ser mal compreendidos. Os judeus passaram a ser perseguidos. Os maçons eram vistos como adoradores do demônio por quem não compreendia suas crenças (quase todos, na época). O que só reforçou a associação do bode com o Diabo.
Baphomet
Todo mundo conhece a imagem clássica de Baphomet. Um ser andrógino, com características mamíferas, reptilianas, etc… Mas o traço mais marcante talvez seja a cabeça de bode. E, é claro, sua eterna associação com o Diabo.
A origem de Baphomet é amplamente discutível. Já foi associado com Mohammed, com os Templários, com Mitra, com o bode de Mendes… A lista é grande. Mas, por culpa de Eliphas Levi, a cabeça de bode está presente em virtualmente todas as suas representações modernas.
O motivo desse símbolo, segundo o próprio Levi, em seu Dogma e Ritual da Alta Magia, é bem menos interessante do que se possa imaginar. A cabeça bestial representa “o horror do pecado”. Explicação mais sem graça…
E o Osculum Infame?
Durante muito tempo se divulgou uma “lenda urbana” referente ao Osculum Infame. Este seria um nome bonito para a prática de… beijar a bunda do bode.
Mas por que alguém faria isso?
Bem, hoje em dia é quase unânime que nenhum grupo de fato seguia esta prática. Mas a Igreja fez questão de divulgar esse boato sobre os Templários.
Mas há algum fundo de verdade nisso tudo? Austin Osman Spare enxergava nessa prática uma manifestação simbólica de ressurgência atávica. Mas esse conceito é complicado demais, e ficará para outro dia. E, segundo Peter J. Carroll, em seu Liber Null e Psiconauta, um sopro na região do períneo é uma boa forma de despertar a Kundalini, a “serpente” que representa a ascensão dos chakras do corpo humano. O que não significa que precise envolver um bode, ou qualquer outro animal.
Em O Renascer da Magia, Kenneth Grant apresenta as razões por trás de diversas correlações entre símbolos e astrologia na antiguidade. A obra também explica melhor o simbolismo de algumas representações “diabólicas”, como o cinocéfalo e o próprio Baphomet. E também elucida, em termos compreensíveis, o complexo conceito de Spare sobre ressurgência atávica. Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll, também expande os conceitos de Spare. Ambos estão disponíveis na loja da Penumbra Livros.