Entrevista com Thomas Karlsson

Entrevista com Thomas Karlsson

Thomas Karlsson, doutor em história da religião pela universidade de Estocolmo, é um erudito em história, religião, mitologia, runosofia e filosofia. Também é o autor de obras contemporâneas seminais dedicadas ao Cabala, Goetia, Qlipoths e as Runas. Fundador e líder da Ordo Dragon Rouge, discreta ordem e sociedade mágicko-iniciática que trabalha com o Caminho da Mão Esquerda.

Recentemente, Lord A:., da Rede Vamp, fez uma entrevista com essa celebridade do ocultismo que, além de tudo isso, ainda é o letrista responsável por diversas canções da banda Therion.  A Penumbra Livros condensou essa entrevista aqui para dar um gostinho para vocês. (Para a entrevista completa, clique aqui e acesse o site da Rede Vamp.)

 

 

Lord A:. – Algumas vezes, ao ler seus livros, tenho a impressão de que vossa abordagem do LHP e até mesmo das Qlipoth seja um tipo de tradução Viking destes conteúdos. É como o antigo jeitão dos Godos de se apropriarem dos símbolos, mitos e ritos temidos por seus adversários e de interpretarem e fazerem uso ao seu favor nos embates. Existe algo assim?

Thomas Karlsson – Se quisermos descobrir as raízes da tradição da magia negra nós encontraremos os Góticos (Godos) e a Magia Gótica. Os Godos são um povo que as raízes vêm do Norte. Os míticos povos do Norte foram mencionados nos escritos dos antigos gregos. Ao longo da história estes mitos se entrelaçaram com fatos históricos; realidade e fantasia são geralmente difíceis de serem distinguidas uma da outra. A Ordem Dragon Rouge não tem como foco os detalhes históricos mas enxerga a magia gótica (dos Godos) nos termos de seus fundamentos míticos e arquetípicos. O Norte é a representação do lado noturno, o mesmo é válido também para o hemisfério sul. Ambos os polos, norte e sul, são portais para ”O Outro Lado” (na cabala chamado de Sitra Ahra). Eu tenho minha ancestralidade pessoal vinda de Gottland, uma ilha no mar báltico onde encontramos as mais antigas descobertas da espiritualidade escandinava. Então, de um ponto de vista pessoal este legado tem muito significado, enfatizo que sob tal superfície encontraremos a mesma corrente draconiana em todas as tradições esotéricas verdadeiras.

 

L.A. – 2016, as runas são conhecidas em boa parte do mundo e há muitos runólogos – ou pessoas que alegam desenvolver tal atividade. Como tem sido assistir ao redor do mundo este ressurgimento e ampliação do Asatru e Heathen, Deuses Nórdicos e seus valores?

T.K. – O interesse nas runas cresceu ao redor do mundo. Quando vivia na China encontrei pessoas interessadas nos mistérios rúnicos. Há três grandes épocas do ressurgimento rúnico: A primeira é a Renascença Escandinava com Johannes Bureus como pessoa de maior destaque. A segunda é na Alemanha do século 19 e na Áustria com Guido Von List e outros; a terceira são os anos setenta com o Dr. Stephen E. Flowers que vem a ser o grande foco deste ressurgimento. Algumas pessoas se interessam pelas runas como uma expressão para seu romantismo da era Viking, mas para mim e outros esotéricos, as Runas tem seu valor como selos espirituais que podemos usar assim como aqueles legados pelos antigos gregos, hebreus ou o sânscrito.

 

L.A. – O trabalho de Johannes Bureus foi inclusive responsável por um dos seus livros, que é o meu favorito. É possível usar magickamente suas runas, armamento e ferramentaria ainda nos dias de hoje? Se pudesse elucidar ou destacar alguns de seus pontos favoritos na obra de Bureus, quais seriam?

T.K. – As contribuições mais importantes de Bureus foram as pontes estabelecidas entre a antiga magia Viking, a sabedoria das runas de Odin e o ocultismo renascentista, com seu novo e aprofundado conhecimento de Magia e Qabalah (através de Pico Della Mirandolla, Reuchlin, Agrippa para nomearmos uns poucos). O sistema dele é, entretanto mais pragmático se comparado por exemplo com a magia enoquiana de John Dee. Quase tudo no sistema das Adulrunes “nobres runas” de Bureus pode ser aplicado junto com as ideias e métodos da cabala, das tradições tântricas ou ainda dos antigos cultos de mistérios dos gregos. Seu uso das runas é uma ressurgência ou mesmo um reviver das runas como selos para grandes objetivos espirituais.

 

L.A. – Como foi seu início no que hoje chamamos por comodidade de ocultismo, espiritualidade e magia? O que lhe atraiu no começo e o que te inspira, influencia e motiva no presente?

T.K. – Eu tive experiências astrais quando criança e isso me direcionou para o caminho esotérico. Foi uma parte natural da minha vida e ocorreu quase sempre através de sonhos lúcidos. Na minha infância projeção astral e sonhos lúcidos não tinham nada de sobrenatural para mim, eram como qualquer outra coisa que acontecia comigo. Por volta dos doze anos percebi que aquilo que era nomeado como oculto e suspeito alimentava meu interesse neste contexto.

Crescer na Suécia, uma sociedade cristã secular e com um grande número de ateus e uma crença quase religiosa na iluminação, provavelmente me ajudou a me envolver com muitas formas sombrias do ocultismo. O lado negro e a trilha da mão esquerda quebram modelos para tornar cada um hábil para ditar as condições que almeja para sua própria vida. É quase um tipo de existencialismo espiritual, enfatizando a vontade, escolha e responsabilidade. Mesmo assim, na essência sou influenciado pelos valores da minha educação, embora de um ponto de vista prático tenha ido além do paradigma atual e explorado o que hoje é pensado como realidades sobrenaturais.

Eu estou envolvido com o meio esotérico por bem mais de duas décadas e tenho largo interesse neste campo. Minha visão básica é que a realidade é mais complexa do que qualquer sistema possa definir. Nenhuma tradição é perfeita e sempre haverá falhas em todos mapas de realidade, isso é consequentemente necessário para se comparar diversas tradições para encontrar aquilo que é imanente em suas estruturas ocultas. Eu focalizo meus esforços sobre o processo iniciático na meta-tradição nomeada como o Caminho da Mão Esquerda, a qual enfatiza aspectos sombrios do esoterismo.

As experiências iniciais da então chamada “natureza oculta” me tornaram interessado nos estudos esotéricos e neles tive diversas influências. Fui inspirado pela tradição kabbalística e especialmente por seu lado negro, conceitos e práticas de sistemas tântricos. As Runas e os mitos nórdicos são uma parte natural do meu trabalho espiritual, assim como a arte surrealista de Dali e Breton me impactaram desde o começo e no meu entendimento do oculto, este inspirou os trabalhos e ideias deles.

Ao longo da minha trilha fiz votos e juramentos ao poder e inteligência máxima que nomeei como “O Dragão”, mas outros místicos poderiam chama-lo de “Deus”. Tenho dois focos principais na vida que são cuidar dos meus filhos, da família e dos amigos; o outro é prosseguir meu trabalho como líder da corrente draconiana neste aeon.

 

L.A. – Todas as pessoas são bem-vindas na Ordo Dragon Rouge? O que é preciso para integrar tal sociedade?

T.K. – Todos são bem-vindos na Ordo Dragon Rouge, não importa o antecedente, mas se não trabalhar com lealdade a seus irmãos e irmãs na Ordem você jamais será um membro. Para se estar na Dragon Rouge você deverá deixar para trás o ego infantil, bem como suas atitudes contraproducentes. Nesta sociedade mantemos nossas mentes abertas, discussões abertas, disciplina e um forte desejo de contribuir e trabalharmos duro por nossos objetivos pessoais e objetivos comuns.

 

L.A. – Já faz mais de uma década que seu livro “Kabbala, kliffot och den goetiska magin” foi publicado – na sua visão quais foram as principais contribuições, influências e desdobramentos desta obra em múltiplos contextos?

T.K. – O livro Kabbala, kliffot och den goetiska magin (Cabala, Qliphoth e Magia Goética) estabeleceu um novo padrão para todo o mundo e oferece em primeira mão uma fonte para o conhecimento sobre nosso campo de atuação, eu gosto de mencionar o meu livro para os magos e os místicos de Estocolmo como uma maneira de conquistar e obter mais conhecimento sobre o trabalho draconiano a partir de perspectivas mais pessoais.

 

L.A. – Recentemente você participou do “The International Left Hand Consortium” nos Estados Unidos. Conte um pouco sobre a palestra que apresentou lá e suas visão da importância de um evento assim para todo este contexto e as diversas espiritualidades que o integram.

T.K. – Em primeiro lugar vou honrar aqueles que organizaram este Consortium. Eles estabeleceram um novo padrão de qualidade para a colaboração no meio do Caminho da Mão Esquerda. Eu era um dos palestrantes principais a apresentar o contexto de Lúcifer- Lilith e Leviathan. Minha palestra foi a respeito sobre a possibilidade em definir o Caminho da Mão Esquerda. Apresentei os seguintes pontos:

  • Metodológico, mas o dualismo não é necessariamente essencial, (muitas vezes o oposto, como um monismo inerente), baseado na ideia alquímica e tântrica das polaridades geradoras do poder.
  • Ideia da “esquerda”, ou seja, O divergente é o esotérico. Uma ideia muitas vezes combinada com a elevação do feminino, o escuro, o inferno, a lua, expulsos, caídos, foragidos e etc.
  • O “baixo” como a “usina de energia” latente para alcançar o “alto”, compare com o kundalini shakti como a força da transcendência, e o motivo do culto do mistério antigo de entrar no Inferno / o submundo para chegar ao Céu ou Paraíso (motivo igualmente presente no Inferno de Dante e etc.). Um conceito comum na alquimia, onde a “prima materia” é o pré-requisito da “ultima materia”, e o chumbo de Saturno corresponde ao ouro do Sol. No misticismo cristão, é o significado de Cristo escarnecido e no xamanismo a importância da iniciação do Submundo. A Pedra é o espírito, o Dragão é Deus e assim por diante.
  • Apoteose, mas com a reserva de que abaixo dos mais altos graus iniciais não podemos realmente saber o que isso significa, e o que a palavra “deus” denota exatamente.
  • A sacralidade da periferia (da margem, do limiar), Caos, Tao, a Bruxa / Hagzissa viajando além das fronteiras etc.
  • Antinomianismo, no sentido espiritual e filosófico: (a) Definir as realidades extremas através das negações; (b) ir contra o fluxo, estar ciente dos padrões inconscientes; (c) construir uma moral superior, libertando-se da simples moral social definida pela maioria (Um conceito realmente próximo do idealismo ético).
  • Elevando Sofia, o conhecimento, a serpente do Éden como um aliado para o adepto, e basicamente o mesmo que Messias, o salvador (na Gematria 358). A natureza faustiana e prometeica do Caminho da Mão Esquerda.

 

L.A. – Ouvimos rumores de uma possível conferência por aqui no Brasil em 2017? Pode contar um pouco mais?

T.K. – Sou casado com uma brasileira, tenho um profundo interesse na cultura multifacetada do Brasil e quero muito estreitar e fortalecer a conexão Escandinávia-Brasil. Seu país é fascinante e de uma fervorosa espiritualidade. Sua Majestade, Sílvia, a Rainha da Suécia, também é brasileira. Minha missão é trabalhar frequentemente entre o hemisfério norte e o hemisfério sul já que o Dragão está por toda parte. Eu vejo um crescente interesse e força por toda América do Sul, noto um potencial fantástico por vir nas manifestações Draconianas no Brasil e através da América do Sul.

 

Veja também:

Versão completa desta entrevista

O Sistema Iniciático da Dragon Rouge

Mistérios Vampyricos, de Lord A:.

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