Começamos a série Religião Pop Comparada contrastando cada um dos Perpétuos de Neil Gaiman com uma das entidades dos Mitos de Lovecraft (clique aqui para ler os outros posts). Este último texto (infelizmente os Perpétuos são apenas sete!) foge um pouco desta regra, e compara Nyarlathotep, o Caos Rastejante, com os Perpétuos Desejo e Desespero.
Desejo e Desespero são gêmeos; como conceitos, são praticamente siameses. Um não pode existir sem o outro. Desejo nasceu um pouco antes, e Desespero logo em seguida. O Desespero é a consequência natural do Desejo. A única forma de não se ter um é abdicar do outro. Mas é claro que esta não é uma tarefa fácil. Dentre o espectro de conceitos representados pelos Perpétuos, Desejo e Desespero são os que mais se identificam com a condição humana. Não ter nenhum dos dois seria algo alienígena.
Nyarlathotep, por sua vez, também é o mais humano entre todas as entidades do mito de Lovecraft – na verdade, é o único capaz de assumir forma humana e falar a língua dos homens. Nyarlathotep foi também quem apareceu em maior número de histórias do próprio Lovecraft, embora Cthulhu tenha ficado com toda a fama. Sua forma humana é por vezes a de um homem negro e alto, por vezes a de um faraó, um líder dos homens na antiguidade. Desespero também foi adorada como uma deusa por um povo no Oriente Médio – todos os espaços vazios eram locais sagrados para ela.
Mas Nyarlathotep não se manifesta somente como um homem. Ele também é representado como um deus sem face que vive nas cavernas do centro da Terra, e como uma monstruosidade híbrida, com tentáculos (lógico!) e asas de morcego. Ele assume a forma mais adequada para cumprir seus objetivos, que frequentemente envolvem a humanidade. O mesmo ocorre com Desejo, que sempre aparece como a figura mais atraente possível para cada um de nós – podendo, inclusive, ser de qualquer um dos sexos, de ambos ou de nenhum.
Lovecraft recebeu a inspiração para criar Nyarlathotep em um sonho, na qual este apresentava maravilhas tecnológicas para as pessoas, e com isso escravizava multidões. Nyarlathotep, ao contrário dos outros deuses lovecraftianos, parece ter prazer em fazer com que os humanos o sirvam e satisfaçam sua vontade. Isto tem paralelos tanto com Desejo, que é notoriamente o Perpétuo mais cruel; e com Desespero, que com seu anzol fisga os corações dos homens.
De acordo com Peter J. Carroll, contatar Nyarlathotep é passo obrigatório para acessar as demais divindades lovecraftianas, pois ele é o emissário dos outros deuses, e possibilita a comunicação com os demais. Durante este primeiro contato, Nyarlathotep tenta forçar o magista a aceitar promessas falsas de poder sobre esta terra – ou seja, apela para o Desejo. Se este não aceitar a oferta, o emissário abre a comunicação com as demais entidades – e abrem-se as portas para o Desespero.
O livro Epoch, de Peter J. Carroll, traz um roteiro completo para que o praticante de magia estabeleça contato com as entidades do mito de Cthulhu. O Renascer da Magia, de Kenneth Grant, traça um paralelo entre estas entidades e as divindades do culto de Crowley – seriam todas oriundas da mesma fonte de inspiração? Ambos estão disponíveis na loja da Penumbra Livros.
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