Existe muita confusão entre invocação e evocação. As palavras são parecidas, os filmes (e a ficção de forma geral) fazem questão de não usar as expressões direito, e até mesmo entre estudiosos de ocultismo e praticantes de magia que sabem a diferença é comum que os termos sejam invertidos. Portanto, não é vergonha nenhuma não saber a diferença entre as duas coisas. Até os dicionários se confundem um pouco. Então, para diminuir a confusão, vamos tentar jogar uma luz sobre esses termos tão parecidos e tão diferentes.
Poucas letras, muita diferença
A chave para entender a diferença entre invocação e evocação está na etimologia. Os dois vêm do latim vocare – chamar. Mas um recebe o prefixo in, enquanto o outro recebe e.
Portanto, a princípio, invocar significaria algo como “chamar para dentro”. E evocar, “chamar para fora”. Mas vamos com calma.
Invocação
Se invocação é o ato de “chamar para dentro”, o que isso significa na prática?
Significa permitir que alguma coisa entre na consciência do magista. E praticamente qualquer coisa pode ser invocada: deuses, arquétipos, conceitos, elementos, personagens míticos – não há limites.
Assumindo Formas-Deus
A invocação é, portanto, outro nome para a clássica fórmula popularizada pela Golden Dawn de assunção de formas-deus. A invocação ocorre quando o magista se investe de todos (ou muitos dos) atributos daquilo que deseja invocar: aparência, personalidade, poderes, energia, sensação.
Ao realizar uma invocação bem-feita, o invocador consegue enganar (quase) por completo a mente consciente, deixando de lado o seu “eu”, e dando espaço para o invocado.
Para que serve a invocação
Vários objetivos podem ser alcançados através de invocação, desde a simples experimentação até resultados práticos realmente complexos. Através de um processo de autoanálise, o invocador percebe que carece de certas qualidades na salada que compõe seu “eu”, e escolhe invocar algo que supra essa necessidade. Ou escolhe aquilo que irá invocar com base no problema que tem para resolver.
Após uma invocação bem-sucedida, o magista pode simplesmente sentir e aproveitar o momento, agregar novos traços à sua personalidade, buscar solucionar problemas impossíveis de resolver por conta própria, interagir com terceiros na condição de “entidade”, ou até mesmo realizar outros trabalhos mágicos na condição da inteligência invocada, tirando deles um melhor aproveitamento.
Facilitando a invocação
Já que invocar é convencer a mente consciente de que se é algo diferente do “eu”, a melhor forma de conseguir este efeito é cercar-se de coisas que confirmem esse “delírio forçado”. Cheiros, cores, objetos, sons, músicas, metais, pedras, velas, e até a temperatura do ambiente – tudo cuidadosamente pesquisado e preparado de antemão – costumam ser importantes aliados no processo de invocação. Não é preciso pegar leve – quanto mais estímulos externos, melhor.
Em trabalhos de invocação, nada tem tanto sucesso quanto o excesso.
Peter J. Carroll – Liber Null e Psiconauta, p. 48
Evocação
Evocação é praticamente o contrário da invocação. Enquanto invocar é chamar para dentro, evocar é chamar para fora. Se na invocação uma ideia externa é convidada a penetrar a mente do magista, na evocação um conceito que existe na mente do magista (mas não necessariamente só nela!) é convidada a se manifestar externamente.
Evocação é a arte de lidar com seres ou entidades mágicos através de vários atos que criam-nos ou contatam-nos e permitem que sejam conjurados ou comandados por meio de pactos e exorcismo.
Peter J. Carroll – Liber Null e Psiconauta, p. 38
Sim, a evocação inclui uma série de práticas comuns na obra da magia, que incluem o famigerado pacto com o demônio, familiares, espíritos, necromancia, goetia, elementais, trabalhos Enoquianos, até a criação de servidores. Qualquer trabalho que tenha como finalidade a manifestação externa de uma inteligência pode ser considerado evocação.
Para que serve evocação
Normalmente evoca-se com a intenção de conseguir algum favor – que pode ser retribuído de várias maneiras. Esse favor pode vir na forma de uma alteração objetiva na realidade consensual, ou ser mais sutil, como conseguir informações que não poderiam ser obtidas de outra forma.
Portanto, brincadeira do copo ou do compasso, ouija, etc. – todas são formas de evocação. Um espírito está sendo evocado e está manipulando a realidade objetiva para trazer um conhecimento que está externo aos participantes da cerimônia (ou tão internalizado que os participantes do ritual não fazem ideia de que sabem o que está sendo informado pela entidade evocada).
Estabelecer contato com um daemon goético é evocação, feita com cerimonial, pompa e circunstância. A intenção normalmente é conseguir favores, e o pagamento pode ser na forma da prestação de outro favor ao daemon, ou mediante ameaça de tortura. Uma relação um tanto abusiva.
Aquela sua tia que faz promessa para santo em troca de milagres? É evocação também. Muita coisa é evocação, se você prestar atenção.
Mas a forma de evocação mais difundida entre magistas hoje em dia talvez seja o uso de servidores. Um servidor nada mais é do que uma entidade com certo grau de inteligência criada para cumprir um determinado objetivo, e evocada para realizar esta finalidade.
A evocação precisa ser material?
Nem toda evocação envolve uma manifestação material. Na verdade, a regra é que não envolva – esse tipo de ocorrência não é tão comum. A manifestação da inteligência evocada é externa, mas não precisa ser material. A distinção não é tão sutil quanto parece.
Às vezes as coisas se confundem
Pelo menos para os casos mais clássicos, está clara a diferença entre invocação e evocação. Mas há também situações um tanto nebulosas.
Vamos considerar o seguinte exemplo: no curso de uma evocação goética, com a intenção de fazer com que um daemon se manifeste, o magista recebe uma carga de sensações e informações mentais relacionadas à entidade evocada. Isso está acontecendo notoriamente dentro de sua cabeça. Nesse caso, é uma invocação ou uma evocação?
Pode-se defender os dois pontos de vista. É possível dizer que ainda é uma evocação, e que essa foi apenas uma forma da entidade se comunicar. Também pode-se dizer que se trata de uma invocação, pois o “eu” do magista cedeu espaço para essa inteligência. Sim, em alguns casos a linha que separa as duas coisas não está muito clara. E, na verdade, encaixar uma determinada experiência dentro de uma ou outra definição não passa de uma tecnicalidade. A experiência não é afetada nem se torna menos válida, independentemente da classificação.
Alguns Conselhos
Se você está interessado em trabalhar com invocações e evocações, é importante ter o seguinte em mente:
- Até que você tenha alguma experiência, invoque coisas superiores, evoque coisas inferiores. Você não quer que uma inteligência limitada e até mesmo “suja” se aposse da sua consciência. E você (provavelmente) não terá a cara de pau de tentar dar ordens a um deus nórdico poderosíssimo. Portanto, invoque elementos e deuses; evoque elementais e servidores. Pelo menos até conquistar confiança para fazer diferente.
- A não ser em casos específicos de invocação, faça banimentos. Sempre. Sem banimentos, há risco real de obsessão pela entidade com que se trabalha, e isso não é legal. Você não quer levar resíduos energéticos que não te pertencem para o seu cotidiano. (A não ser, é claro, que você queira.)
Para saber mais sobre invocação e evocação, de forma direta e sem enrolação, a melhor referência para entender o assunto é o Liber Null e Psiconauta, de Peter J. Carroll. Leitura recomendada para qualquer um que se interesse pelo tema.
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