Nosso colunista, Frater Optimus, é um mago das antigas que já entrou na idade do me processe (há algumas décadas) e não está nem aí para a opinião dos outros. Ele fala o que pensa, e se você também não estiver nem aí para a opinião dele, o problema é seu.
Era só o que me faltava. Descobri esses dias que nesse tal YouTube agora tem gente fazendo filmes explicando sobre magia e ocultismo. E que tem podcasts sobre o tema. Me diz uma coisa: se é ocultismo, é pra ser oculto, certo? Então como é que tem gente colocando filme na Internet sobre isso, fazendo programinha de rádio falando tudo na maior cara de pau?
A primeira coisa que me deixa indignado sobre isso é a quantidade de dinheiro que as pessoas devem estar investindo nisso. Fazer filme é caro, minha gente. Vocês têm noção de quanto custa um rolo de 35mm? Se bem que, se é para Internet, é capaz de estarem filmando em 16mm mesmo. De qualquer forma, a revelação disso custa uma grana preta! E depois tem que passar o negativo para o positivo, e lá se vai mais um rio de dinheiro. E depois sei lá como eles fazem para passar tudo isso para o computador, mas tenho certeza absoluta de que não é barato!
De onde essa gente tira dinheiro para fazer isso? Tem que ter uma contrapartida. Alguém está pagando por isso. Não é possível. Acho que cada pessoa que coloca esses filmes na Internet deve ter seu próprio esquema de pilantragem, mas tenho certeza que ninguém está aí só pela boa intenção de espalhar a palavra. Então se você está vendo esses filmes, saiba que em algum momento você vai ter que pagar pela película, pela revelação, por todo o processo. Ainda não sei dizer como você vai pagar, mas você vai. Senão não tinha tanta gente fazendo isso. Pra existir o malandro, é preciso existir o trouxa. E, nesse caso, o trouxa é você.
A segunda coisa – e talvez a mais importante – é que, na minha época, o ocultismo costumava ser oculto! E é assim que tem que ser!
Você já tentou ler algum texto alquímico? Se não, você deveria tentar. Se já, você sabe do que eu estou falando. As coisas eram escritas de um jeito que era impossível um não iniciado entender do que se estava falando. Toda a linguagem era cifrada, codificada, simbólica. Qualquer um que leia um texto desses será capaz de entender cada palavra, individualmente, mas não vai entender o sentido da coisa. Na verdade, não vai nem começar a entender.
Estou falando dos alquimistas de séculos passados, mas não precisa ir tão longe. O próprio Eliphas Levi, que não é nem tão antigo assim, parecia que estava revelando todos os segredos do universo, mas nunca dava o pulo do gato. Uma pessoa comum é capaz de entender o que ele quer dizer – mas só o Iniciado de verdade é capaz de entender as chaves que abrem o real sentido de seus textos.
O tempo foi passando e as coisas foram ficando cada vez mais escrachadas. Cada nova década trouxe uma geração de autores que, cada vez mais, escancaravam os segredos da magia e do ocultismo, guardados há milênios, ao custo de tanto esforço, suor e sangue. E hoje temos gente no tal do YouTube falando um monte de asneiras sobre ocultismo, gente gravando programa de rádio para internet falando um rio de imbecilidades sobre o tema, e um monte desses tais de PDFs (que, pelo que entendi, são versões resumidas dos livros clássicos) circulando por aí. Que bela bosta.
Eu entendo que no passado o ocultismo era mantido oculto por causa da perseguição. Ninguém em sã consciência iria querer ser queimado pela Igreja. Então era melhor não escancarar as coisas e gerar prova contra si mesmo. A própria sociedade, de forma ampla, também não teria capacidade – ou a intenção – de entender. Mas esses não são os únicos motivos para os ocultistas de outrora criarem um véu de complicação para a interpretação de suas obras. Não, senhores.
O real objetivo de manter o ocultismo oculto era evitar a morte desse conhecimento.
Permitam-me explicar. O mecanismo fundamental para essa proteção é evitar que qualquer idiota tentasse lidar com aquilo que não conhece e não compreende. Se um texto está codificado de forma que apenas um iniciado consiga entendê-lo, é relativamente seguro deixar um registro escrito. Porque se um não iniciado tentar ler, ele simplesmente não vai entender, e vai deixar de lado. Por outro lado, se um iniciado colocar suas mãos nesse mesmo texto, ele entenderá seu verdadeiro significado. O iniciado será capaz de usar esse conhecimento recém-adquirido, mas também será capaz de passar a mensagem adiante, de forma inequívoca.
Se os segredos mais avançados e complexos estivessem acessíveis a qualquer um, seria uma questão de tempo – e nem seria tanto tempo assim – até que pessoas entendessem tudo errado, achassem que dominaram o tema, e passassem uma mensagem errada adiante. É simples assim. Manter o ocultismo oculto é um mecanismo de proteção. Mas não se trata de proteção para o não iniciado. É claro que existe uma grande chance de alguém se dar mal ao tentar aplicar um conhecimento adquirido pela metade. Mas se esses palhaços se derem mal, o problema é deles. O que precisa, sim, ser protegido, é o conhecimento. E esse é efetivamente protegido pelas chaves e cifras dos sábios do passado.
Hoje em dia não. Os autores de “ocultismo” (ou deveríamos chamar de “escancaradismo”?) revelam todos os segredos para todo mundo. As livrarias – todas elas! – têm seções específicas de livros de ocultismo, que qualquer um pode comprar. Tem um bando de idiotas roubando dinheiro dos outros na Internet. Os tais PDFs, esses resumos, estão circulando por aí. Resumos! Que ridículo. Você pode achar que todos esses sinais indicam que o ocultismo, na prática, está morto e enterrado. Felizmente, não é exatamente assim que a banda toca.
O obscurantismo inerente ao ocultismo ainda existe. Os novos textos não são mais cifrados, mas um novo mecanismo de proteção do verdadeiro conhecimento iniciado se formou, meio que sem querer. No meio do mar de livros estúpidos, pilantras de YouTube, podcasts e PDFs de graça, há pouquíssimas pérolas de conhecimento, perdidas no meio do lixo, como agulhas no palheiro.
A linguagem deixou de ser cifrada. Mas ainda é preciso um Iniciado para saber diferenciar o conteúdo desprezível do verdadeiro Conhecimento, com C maiúsculo. No meio dessa tempestade de lixo, o ocultismo ainda consegue permanecer oculto, se escondendo às vistas de todo mundo. O que é sério, e o que não é? Isso, meus caros, você só vão descobrir se vocês mesmos se levarem a sério, e se não acreditarem em tudo que lerem.
Boa sorte.
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