Frater Optimus e o Terrorismo Religioso

Frater Optimus e o Terrorismo Religioso

Frater Optimus

O colunista Frater Optimus faz parte de uma espécie em extinção: é um mago das antigas. Por conta da idade avançada e de ter sido criado em “outros tempos”, suas opiniões costumam ser controversas. Mas vale a pena ver o que ele tem a dizer – na pior das hipóteses, ele vai te dar material para refletir.

Nessa semana, Frater Optimus fala sobre a onda de terrorismo religioso que está se abatendo sobre nosso país.

Era só o que me faltava. Eu já tinha ouvido falar do caso em que tacaram fogo na Casa do Mago, no Rio de Janeiro (ainda bem que ninguém se machucou). Mas ainda mais recente e assustador foi esse caso dos bandidos que invadiram um terreiro e fizeram um verdadeiro terrorismo com os participantes do culto. Para mim, essa foi a gota d’água.

Vou resumir a história.

Parque Flora, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Um grupo de traficantes armados, dizendo estar a serviço de Jesus, invade um terreiro de candomblé. Chegaram mijando nas imagens, mandando o pai de santo destruir as estátuas, arrebentar as guias, quebrar as garrafas com oferendas. Filmaram tudo, e divulgaram em redes sociais a evidência do crime, para mostrar para todo mundo como eles são malandrões. Uma citação ipsis literis de um dos bandidos (de um dos filmes divulgados):

É só um diálogo [nota: “diálogo” é o nome do taco de baseball que o cretino está usando para ameaçar o pai de santo] que eu tô tendo com vocês, na próxima vez eu mato! Safadeza, pilantragem! Primeiramente é Jesus! Quando vocês forem bater cabeça aí na casinha do cachorro, vocês primeiro pedem licença a Jesus! Vocês não sabem que o “mano” não quer macumba aqui? Tá peitando por quê? Por que a gente tirou a boca dali? Arrebenta tudo! Eu sou da honra e glória de Jesus! Pensa por que eu não tô na favela essa porra vai continuar? Já avisei! Se eu pegar de novo ou tentar construir esse caralho de novo, eu vou matar!

Sim, vocês não leram errado. O camarada se diz “da honra e glória de Jesus”, que deveria ser um símbolo universal de amor e tolerância, e diz que se não fizer o que ele está mandando, vai matar.

Vou repetir mais uma vez, caso você não tenha entendido: diz que vai matar. Em nome de Jesus.

E esse foi um caso só. Mas na mesma região, a mesma coisa se repetiu sete vezes em menos de dois meses. Sete vezes. Dois meses. Mais ou menos uma vez por semana. Percebo um padrão.

Eu te pergunto, leitor: o que diferencia esse tipo de atitude dos Traficantes de Jesus dos malucos do Estado Islâmico? Estou perguntando a você, porque para mim não tem diferença nenhuma. Os dois estão impondo sua visão de mundo sobre os outros na base da força, levando a intolerância religiosa às últimas consequências, e “resolvendo diferenças” na base do terrorismo.

Mas voltando à vaca fria. Os Traficantes de Jesus podem ser bizarros, absurdos, e até burros, mas uma coisa é certa. Esses bandidos sabem fugir da lei. E o artifício que eles estão usando é roubar tudo que tem de valor nos terreiros depois de espalharem o terror. Porque assim o crime deles passa a ser enquadrado como roubo comum, e não como intolerância religiosa. E a polícia (muitos policiais compartilham da mesma crença dos bandidos) tem mais liberdade para fazer vista grossa. Bem criativo.

Mas não interessa a tecnicalidade da classificação do delito. Isso é, sim, intolerância religiosa. E terrorismo. E com certeza não é o fruto da intensa espiritualidade de um grupo de inocentes meliantes que vendem tóxicos para crianças. Não. Isso é fruto de lavagem cerebral que algum pastor ou igreja está fazendo, sistematicamente.

Essa lavagem cerebral já pode parecer uma coisa terrível, e um motivo para grande preocupação, mas existe uma coisa ainda mais séria por trás de tudo isso. Esses casos não são isolados. São sintomas de que nosso país está se transformando em uma teocracia.

Você pode achar que eu estou ficando maluco, que o Estado é laico, que o que eu estou dizendo não faz sentido. E se esse for o caso, saiba que eu não me importo nem um pouco com a sua opinião. Nós estamos virando uma teocracia, sim.

E sabe de quem é a culpa?

Sua.

O culpado não é você como indivíduo. É você como Povo. A culpa é minha também, eu me incluo nisso. Nós, o Povo, estamos elegendo cada vez mais evangélicos, para tudo quanto é cargo público. Eu estou há muitas décadas participando do processo democrático, não me lembro de todo candidato em que votei. Mas posso me orgulhar de que se algum dia votei em um evangélico , foi algum evangélico que simplesmente segue essa fé, sem fazer dela uma plataforma de campanha.

Porque eu tenho consciência de que nem todo evangélico é – perdoem a expressão – um filho da puta. Mas quem manipula as massas usando a fé como ferramenta, faz lavagem cerebral nas massas, incentiva e acoberta esse tipo de crime é, sim, filho da puta. E bandido. E terrorista. E precisa ser tratado como tal.

O maior mal que hoje acomete o Brasil, como Estado, não é a simples corrupção. É a corrupção e a bandidagem associadas à construção (lenta, porém constante) de uma teocracia. Me perdoem os incomodados, mas não vou parar de usar essa palavra. Se continuarmos nesse ritmo, o Estado Islâmico vai ficar para trás em pouco tempo. O Terror terá um novo nome: Estado Universal, Estado do Renascimento de Cristo, Estado Neopentecostal. Não sei qual vai ser o nome, mas a maior ameaça a esse país são os crentes, e isso tende a piorar.

Ah, Frater Optimus, você está reclamando de intolerância, mas está sendo intolerante!

Repito: nem todo evangélico é um filho da puta. A maioria, na verdade, são pessoas comuns (nem melhores nem piores do que eu e você), que seguem uma fé que as ajuda a levar suas vidas adiante. E, acredite se quiser, eu respeito isso. O que eu não respeito e não tolero são:

  • Os ditos “líderes” religiosos que comandam essas pessoas comuns, colocam elas para fazer seu serviço sujo, roubam seus dízimos e muito mais na base do medo, e ainda as usam como massa de manobra em um projeto a longo prazo de perpetuação de poder e construção de uma teocracia;
  • Os bandidos e terroristas que só precisam de um empurrãozinho, um motivo, e – com o perdão do trocadilho – um Amém para fazerem suas atrocidades, com a bênção de Jesus.

Ué, Frater Optimus, mas se só os líderes e os terroristas são o problema, porque esse discurso de ódio contra os evangélicos? E por que o problema somos nós, o Povo?

Se você está fazendo essas perguntas de coração, meu discurso de ódio e minha intolerância são contra você! Deixa de ser burro! Malandro só se cria onde existe trouxa para enganar. Deixe de ser trouxa! Acorde os trouxas que estão ao seu lado! Faça alguma coisa! Não deixe o Brasil virar o novo Estado Islâmico! Acorda pra cuspir!

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Publicado originalmente no site do Magic(k)ando.